De tempos em tempos, lemos alguma notícia na imprensa sobre uma família vendendo seu negócio. A venda do The Wall Street Journal pela família Bancroft para Rupert Murdoch e sua família criou uma grande comoção, como costuma ocorrer com as batalhas entre gigantes. Outras histórias causam espanto e geram debates sobre a sabedoria da família em sua decisão de vender o negócio. Isso aconteceu em 2011, quando a maior fabricante e distribuidora de óculos do mundo, Luxottica, uma empresa familiar italiana, adquiriu o Grupo Tecnol, empresa familiar da Carinelli, uma empresa verticalmente integrada e líder no Brasil. Este também foi o ano em que a brasileira Marcopolo, uma das maiores fabricantes mundiais de ônibus, adquiriu a fabricante austríaca de ônibus Volgren, de propriedade da família Grenda e por ela administrada.

Após a venda, vêm os parabéns da família, colegas, amigos e alguns espectadores do setor. Mas as pessoas também podem ficar decepcionadas com a venda (“é uma pena que a tradição da família tenha se perdido”) e suspeitar que a família “perdeu” seus negócios devido à má gestão ou “se vendeu” porque ficou gananciosa ou não foi leal aos objetivos virtuosos do fundador. Sim, estas coisas podem acontecer e, quando ocorrem, também nos sentimos decepcionados. Mas também podemos comemorar a venda de uma empresa familiar. Em certas condições, vender a empresa familiar pode ser a coisa mais inteligente a se fazer para ter sucesso como uma família empreendedora. E pode ser a melhor coisa que você pode fazer pela empresa.

Nós nos guiamos pelo seguinte princípio: uma família deve usar seus ativos para que sejam produtivos e gerem valor e satisfação à sociedade e à família. Se uma família não pode ser proprietária e administrar seu negócio de forma a torná-lo produtivo, valioso e satisfatório, ela deve considerar vendê-lo para outras pessoas que poderiam desenvolver um trabalho melhor com ele e permitir que a família direcione o foco para outras atividades. Sempre que os proprietários familiares vendem um determinado negócio a compradores que podem extrair mais dele, principalmente quando a venda libera a família para outras atividades produtivas e satisfatórias que melhor atendam aos seus interesses e talentos, nós comemoramos.

Acreditamos que muitas famílias que façam seus negócios crescer até um tamanho vendável devem considerar vendê-los no momento certo – por dois motivos muito bons.

Em primeiro lugar, todas as empresas têm ciclos de vida. Uma empresa que é competitiva em uma fase de uma indústria pode precisar de escala, tecnologia, habilidades e estilo de gestão e capital muito diferentes para competir em outra fase deste “jogo”. Se uma família quer permanecer em um determinado negócio (“jogo”) por várias décadas, ela precisa ter o talento necessário, os recursos financeiros adequados e um bom grau de flexibilidade. Por uma série de razões, a maioria das empresas, em algum momento, para de se adaptar a seus setores e morre. A maior parte das empresas familiares que fecha as portas o faz porque deixa de ser competitiva (seja por má gestão, falta de reinvestimento ou por uma tecnologia disruptiva que destrói ou transforma indústrias) ou porque a família perde o interesse no negócio. Até certo ponto, esta consequência pode ser evitada ao se realizar as ações certas na empresa e na família.

O segundo motivo pelo qual as famílias devem considerar a venda é porque as famílias mudam naturalmente ao longo das décadas e gerações no que se refere a interesses e habilidades. E algumas famílias distanciam-se de seus negócios e tornam-se incapazes ou relutantes em apoiar suas empresas como proprietários ou líderes de negócios. Algumas pessoas veem isso como um “pecado” familiar, mas nós não (pecado é quando os membros da família ficam preguiçosos, improdutivos e dependem completamente de outros para seu sustento financeiro). Você deve administrar o desenvolvimento de sua família e seu relacionamento com sua empresa da melhor maneira possível e, assim, aceitar a realidade (ao invés do desejo) sobre sua família e a situação que você enfrenta. A pior situação é quando você constrói algo valioso e observa seu valor evaporar porque você não é realista quanto aos seus pontos fortes e às ameaças que enfrenta. E lembre-se, se sua família não se encaixa mais na sua empresa, ela ainda pode ter sucesso em outras atividades, incluindo outros negócios. Alguns estudos demonstraram que as famílias que vendem seus negócios frequentemente abrem ou compram outro negócio e entram novamente em outro jogo.

Isto significa que você deve avaliar periodicamente a adequação entre sua família e a empresa, o que pode ser feito respondendo a essas três perguntas:

  1. A família é a melhor administradora deste negócio? Caso contrário, encontre outras pessoas que tenham as habilidades e os valores para administrá-lo bem. A família pode continuar a ser proprietária do negócio e provavelmente terá uma atuação útil como membra do conselho e em outras funções fundamentais.
  2. A família é a melhor proprietária deste negócio? Temos os recursos (capital, alianças) para apoiar o desenvolvimento deste negócio e as habilidades e atitudes (perseverança, foco na qualidade, a capacidade de assumir riscos e de se sacrificar) necessários para ter sucesso neste setor? Se a família claramente não pode apoiar o negócio na próxima fase do jogo, ela precisa considerar parcerias com outras pessoas que tenham as habilidades e os recursos necessários. Ou deve sair deste setor. A família pode ser uma boa proprietária (capaz de atender aos requisitos básicos do negócio), mas não a melhor proprietária para este negócio (outros proprietários poderiam extrair mais deste negócio). Esta é sempre a situação mais difícil de se avaliar. Mas não se deixe cegar pelo orgulho ou pela tradição ao analisar as qualificações de sua família como proprietária.
  3. Este negócio está produzindo retornos adequados para a família? Possuir (e principalmente administrar) uma empresa implica custos e benefícios para uma família – que podem ser financeiros, psicológicos e nos relacionamentos. Para permanecer em uma empresa, os benefícios de se possuir e administrar esta empresa devem superar os custos em um período razoável. Além disto, os retornos advindos da posse deste negócio devem ser suficientemente elevados para permanecer neste jogo. Se você investisse os recursos e esforços da família em outro jogo, o retorno seria maior?

Dada a rapidez com que os setores estão mudando, você deve fazer esse cálculo de poucos em poucos anos, com a contribuição de consultores próximos, proprietários principais e de seu conselho.

AVALIANDO OS ARGUMENTOS PARA VENDER OU MANTER

Tomar a decisão de vender ou manter um negócio envolve um alinhamento dos interesses dos principais participantes em todos os três círculos do sistema de uma empresa familiar e normalmente exige um diálogo com os proprietários (que tomam a decisão), os líderes do negócio, membros do conselho e familiares. Todos eles possuem suas perspectivas e interesses próprios e métodos únicos de raciocínio. Você precisa compreender seus interesses e motivações para vender ou manter o negócio.

A venda de empresas familiares é motivada por muitos fatores, incluindo os seguintes:

Considerações financeiras

  • Desejo de monetizar o valor de um negócio;
  • Desejo de aproveitar uma oportunidade favorável (o preço de venda é alto; uma oferta atrativa foi apresentada);
  • Outras boas oportunidades de negócios que exigem capital e atenção, tornando atrativa a venda do negócio atual.

 

Performance

  • Forte desempenho comercial que alimenta um alto preço de venda, mas pode não ser sustentável;
  • Fraco desempenho da empresa ou redução do patrimônio líquido que podem acelerar no futuro, devido à indústria ou a fatores econômicos;
  • Dividendos fracos ameaçando a liquidez da família.

 

Questões de propriedade

  • Afastamento dos acionistas em relação ao negócio, causado por uma série de fatores;
  • Discórdias familiares causadas pela empresa ou conflito familiar dentro dela;
  • Interesse próprio de alguns proprietários (possivelmente incluindo ganância), que colocam seus interesses particulares acima dos interesses da família;
  • Os acionistas não se sentem respeitados pela administração.

 

Questões de liderança

  • Ausência de liderança familiar no negócio;
  • O líder do negócio (seja ele membro da família ou não) desagrada.

 

Questões familiares

  • Necessidade de liquidez na família;
  • A próxima geração não tem interesse pelo negócio;
  • Sentimento de que a venda irá melhorar a imagem da família;
  • A empresa não está seguindo os valores familiares ou está prejudicando a imagem da família.

 

Por outro lado, as famílias tendem a manter seus negócios nas seguintes condições:

 

Considerações financeiras

  • Grande porte da empresa em relação aos concorrentes;
  • Preço de venda inadequado.

 

Performance

  • Forte desempenho empresarial, crescimento nos negócios e crescimento patrimonial;
  • Dividendos adequados;
  • Crença de que os proprietários e a administração podem realizar mais ações para melhorar e sustentar o negócio e que ele pode ter sucesso no futuro.

 

Questões de propriedade

  • A empresa mantém uma comunicação adequada com os acionistas;
  • Os acionistas sentem-se respeitados pela empresa.

 

Questões de liderança

  • Longa história de liderança familiar na empresa;
  • Envolvimento da família na administração sênior.

 

Questões familiares

  • A liquidez é adequada para as necessidades da família;
  • Orgulho da família pelo negócio;
  • O sobrenome da família está vinculado à empresa (por exemplo, na porta, nos produtos);
  • A empresa apoia os valores familiares e a imagem da família;
  • Forte interesse no negócio pela próxima geração;
  • Longa história de propriedade familiar e o sentimento de que vendê-la violaria um valor familiar;
  • Importância estratégica da empresa para o status da família e as atividades familiares (por exemplo, filantropia);
  • Crença de que o patrimônio da família é mais bem sustentado pela posse de um negócio do que de ativos financeiros ou outros ativos;
  • Sentimento de que vender o negócio prejudicará a imagem da família.

Estes fatores precisam ser compreendidos em relação com um preço de mercado válido para o negócio. Um preço de venda alto ou baixo pode afetar dramaticamente algumas decisões das famílias. E o preço de venda provável para o negócio deve ser determinado por consultores externos experientes.

Dado que as famílias tendem a ter forte apego e a ser sentimentais em relação a seus negócios, a decisão de vendê-los geralmente exige uma motivação muito mais forte para vender o negócio do que para mantê-lo. Algumas motivações são baseadas em fatores que são difíceis de mudar. Outros podem ser administrados ou influenciados. Considere se, e em que medida, suas motivações para vender ou manter podem mudar se algum dos fatores principais mudar. E sempre considere outros fatores, não listados aqui, que influenciam você e sua família. Em seguida, argumente a favor da venda ou da manutenção da forma mais clara possível. Se decidir manter o seu negócio, você pode se beneficiar do processo pelo qual acabou de passar, tornando-o um componente regular da avaliação da sua empresa familiar.

PREPARANDO-SE PARA UMA VENDA

O timing da venda de sua empresa é uma consideração muito importante. Se você quer obter um bom preço pelo seu negócio, o momento de vendê-lo (ou de vender qualquer coisa) é quando o comprador está pronto para comprá-lo, não quando você está pronto para vendê-lo. Esta é uma lição terrivelmente difícil de ser compreendida pelos proprietários de empresas. Eles geralmente definem o instante da venda com base em suas necessidades, muitas vezes esperando até o final de suas carreiras, e somente após determinarem que não há sucessores familiares possíveis antes de vender. Neste momento, pode haver ou não um comprador e talvez não seja possível embrulhar o negócio de modo que ele aparente ser uma empresa atrativa para se comprar.

Normalmente, se um setor está se consolidando, você não quer ser a primeira ou a última empresa a vender e deve estar mais perto dos primeiros lugares na expansão do setor do que dos últimos. Isto exige uma compreensão do que está acontecendo em seu setor e uma negociação hábil.

Vender uma empresa exige habilidades especiais e é provável que uma família que administra uma empresa não tenha experiência com este processo. Quantas vezes você já vendeu sua empresa ou outra empresa? Entretanto, outras pessoas detêm muita experiência neste processo porque o fazem o tempo todo. Você gostaria de se sentar à mesa de negociação diante de uma equipe muito mais experiente que representa o comprador? Certamente que não. E só porque um comprador em potencial diz o quanto ele admira o que você construiu e que deseja que você permaneça conectado com a empresa (por favor, não acredite nisto), isto não significa que ele leva os seus melhores interesses em consideração. Se você está pensando em vender, você precisa de um aliado que possa guiá-lo nesse processo.

Como o cantor Kenny Rogers nos lembra sobre o pôquer e a vida, e nós adaptamos a frase para a venda de uma empresa familiar – você precisa saber quando segurar as cartas na mão (manter seu negócio) e quando descartá-las (vender seu negócio). Como bons jogadores de pôquer, somente líderes com egos que podem ser administrados e que entendem suas situações, motivações e pontos fortes e fracos possuem essa habilidade. Você deve ser um deles.

 

Professor John A. Davis

Fundador e Diretor, Cambridge Family Enterprise Group; Professor Sênior e Dirigente, Family Enterprise Programs, MIT Sloan School of Management

John A. Davis é reconhecido mundialmente como um pioneiro e uma autoridade em empresas familiares, patrimônio familiar e escritório familiar. Ele é pesquisador, educador, autor, arquiteto das estruturas conceituais com maior impacto na área e consultor de famílias líderes em todo o mundo. Ele lidera os programas de empresa familiar na MIT Sloan. Para acompanhar seus escritos e palestras, visite johndavis.com e o twitter @ProfJohnDavis.

Dr. Jonathan Pellegrin

Consultor

O Dr. Jonathan Pellegrin foi CEO de 2ª geração de sua empresa familiar antes de vender a empresa que seu pai começou. Ele é consultor de famílias na venda de suas empresas e é coautor, junto com o professor John Davis, de um livro (no prelo) sobre estratégias de venda da empresa familiar.