download pdfMarlon Young
Consultor sênior e Sócio Associado, Cambridge Damily Enterprise Group

Family offices detêm uma boa posição para sair de seu papel de gestão financeira tradicional e administrar de modo central as atividades estratégicas de uma família. Mas poucos family offices fazem essa transição para servir à família de modo mais pleno. Por que os family offices permanecem limitados em seu escopo e o que os convenceria a desempenhar uma função mais ampla na empresa familiar?

Tradicionalmente, os family offices foram criados para administrar os negócios financeiros de uma família. No entanto, ao longo da última década, alguns single family offices[1] evoluíram para desempenhar um papel mais amplo na empresa familiar, para além da gestão de patrimônio e do planejamento tributário.

À medida que as famílias tornam-se melhor informadas sobre como arquitetar seus family offices, uma porção cada vez maior delas está adotando um family office com um papel maior e mais central para promover os objetivos estratégicos da família. Deste modo, estes family offices estão fortalecendo o importante elo entre o family office e a família.

As atividades de um family office estratégico

Os family offices detêm uma posição central para administrar muitas das atividades estratégicas familiares para além do desenvolvimento de seu portfólio financeiro. Esses family offices dirigem e apoiam funções críticas, tais como:

  • Implementar os objetivos e visão de longo prazo da família
  • Executar o plano do Conselho Familiar
  • Administrar a governança familiar
  • Planejar programas de desenvolvimento de talentos para preparar a próxima geração (junto com o Conselho Familiar) e
  • Outras atividades para aprimorar as chances de que a família – e não apenas seu patrimônio – prospere ao longo de gerações.

Mas o número de family offices que fizeram essa transição é suficiente? Hoje, não são poucos os family offices que ainda gastam uma quantia enorme de seu tempo administrando apenas os investimentos e atividades financeiras, prestando pouca atenção nas atividades de ordem mais elevada e estratégicas que ajudarão a família a manter sua unidade, talento e ímpeto, junto com seu patrimônio.

Por que, então, as famílias não ampliaram o escopo de seus family offices para desempenhar uma papel mais vasto, e o que pode ser feito quanto a isso?

Cinco desafios comuns de um family office

Embora cada family office tenha uma história e uma trajetória de desenvolvimento únicas, nossa experiência trabalhando com famílias e family offices revela cinco desafios comuns no amadurecimento de um family office. Frequentemente, eles são a causa de um elo fraco entre a família e o family office.

  1. Ponto de partida equivocado: um family office frequentemente começa como um family office embutido (FOE) dentro da empresa familiar e torna-se uma entidade separada quando a família, sua complexidade, seu patrimônio e seus riscos extrapolam o quadro de funcionários da empresa. Como resultado, não é incomum que o fundador do family office concentre-se primeiramente na criação de um escritório para administrar de modo eficiente as atividades de investimento, as estruturas de patrimônio, os impostos, o planejamento de propriedades e outras categorias de serviços financeiro de que os funcionários da empresa familiar podem dar conta. Muitos iniciam neste ponto, ao invés de criar um family office customizado que abrange as reais necessidades da famìlia.
  2. Falta de visão e de missão: uma das funções essenciais de um family office é acompanhar a família em sua jornada multigeracional por caminhos que tanto respondem aos interesses/solicitações quanto ajudam a guiar o progresso da família. Os family offices mais eficazes fazem bem ambas as coisas. Contudo, é muito frequente que a administração do family office não veja seu family office servindo a esse propósito duplo e, ao contrário, limite seu family office ao papel de reagir às solicitações dos diretores. Esta limitação não beneficia a família e nem motiva a administração do family office. Ela é o resultado de um family office que não possui uma missão (um propósito) e uma visão clara, que leve em consideração as necessidades da família em constante evolução. O family office detém boa posição para compreender a família, antecipar sua trajetória e recomendar planos, cenários e soluções que ajudarão a família a atingir seus objetivos estratégicos de longo prazo. Mas, para realizar isso, ele demanda de autoridade de uma missão e de visão da família.
  3. Faltam serviços não financeiros: o family office precisa investir em atividades não financeiras que apoiem a família e sua continuidade multigeracional. Estamos falando de projetos como atividades de formação de unidade e de talentos que fortalecem a família e fomentam suas capacidades como proprietários e membros ativos do Conselho. Estas atividades não financeiras também auxiliam a família em sua transição para gerações futuras e são pilares fundamentais para manter uma família duradoura. Seus retornos podem não aparecer imediatamente no demonstrativo financeiro, mas eles valem a pena com o tempo e levam a um sucesso de longo prazo para a família e sua empresa. A maioria dos family offices não incorpora atividades não financeiras em sua competência, mas deveria. O family office é frequentemente o lugar correto para administrar e executar de um modo central estas atividades em nome da família e do Conselho Familiar.
  4. Falta uma estrutura de governança holística: para ter um family office eficaz, a família deve estar unida em torno da criação conjunta de valor. A melhor maneira de se obter esta direção, resolução e unidade clara entre os proprietários é por meio de um sistema efetivo de governança. A família precisa garantir que o family office tenha sólida governança, com a expertise externa certa, e uma liderança de proprietários capazes. O family office não precisa apenas ele mesmo de governança consistente, ele também precisa integrar-se bem no sistema total de governança da empresa familiar como um todo.
  5. Inabilidade de se adaptar à geração futura: uma responsabilidade importante de um family office é ajudar a família a preservar sua coesão e manter o ímpeto através das gerações. À medida que os planos de sucessão são postos em prática nas companhias, nos bens e atividades familiares, o family office frequentemente é negligenciado, mas ele também precisa de um plano de sucessão. É vital administrar a transição do family office para a próxima geração. É na encruzilhada geracional que muitos family offices tropeçam e não sobrevivem ao salto para se tornar uma entidade multigeracional. Uma transição geracional no family office exige mudanças fundamentais nos modos com que o family office relaciona-se com os membros da família. Parte do sucesso de um family office é sua habilidade de adaptar-se à geração ascendente, incluindo desenvolver estilos de serviços, comunicação e gestão que sejam culturalmente adequados para a nova geração.

 

Recomendações para fortalecer o elo do family office com a família

Com base em nossa experiência na assistência de famílias com estas preocupações e ameaças ao sucesso do family office, recomendamos focar as seguintes áreas-chave:

A missão e visão da família devem conduzir o trabalho do family office

O family office merece ter uma missão e uma visão que busquem a sustentabilidade multigeracional da família e o sucesso como uma família. Esta missão e esta visão de ordem mais elevada precisam ser articuladas pelos diretores e pela família e então adotadas pela equipe e grupo de governança do family office. Os family offices precisam examinar regularmente seus propósitos e as estratégias que lhes permitirão atingir os objetivos da família tanto agora quanto no futuro. Isto exige atenção regular à trajetória e ao desenvolvimento da família e ao ritmo de suas necessidades.

Se o family office não tem uma missão e uma visão, ou se elas precisam ser revistas, faça a si mesmo estas perguntas para ajudar a desenvolvê-las ou aprimorá-las:

  1. Suas declarações de missão e de visão conferem propósito e direção ao family office? Está claro para nós e para nossos acionistas o que estamos construindo e por que queremos construí-lo?
  2. Quais são os ativos financeiros e as atividades significativas da família que queremos sustentar na próxima geração e eles estão sendo apoiados pelo family office?
  3. Além de apoiar os objetivos financeiros, nosso family office ajuda a família a atingir os objetivos estratégicos não financeiros (como preservar a coesão familiar, fomentar o talento familiar e manter o ímpeto ao longo das gerações)?
  4. Nosso family office possui uma estrutura de governança apropriada e em pleno funcionamento para realizar sua missão e visão? A estrutura de governança é bem integrada com o sistema de governança total da empresa familiar como um todo?
  5. Os objetivos e empreendimentos que a família quer que o family office atinja nos próximos dez anos estão claros para todas as partes referidas? Estes objetivos levam a ações específicas e concretas?

 

Utilize a abordagem da empresa familiar para arquitetar o family office de que você precisa.

Family offices que antecipam a trajetória da família e o aumento de sua complexidade por meio da adoção de uma “visão da empresa familiar” têm uma chance maior de atingir dois resultados: criar valor para a família que exceda o seu custo e ter êxito ao longo de gerações. Adotar a visão da empresa familiar significa planejar de modo integrado as necessidades atuais e futuras de todas as atividades significativas e interesses financeiros da família.

O conjunto das atividades e bens significativos de uma família é chamado de empresa familiar, que inclui os negócios centrais, os negócios secundários, investimentos em propriedade, bens tangíveis como coleções de arte e imóveis familiares, atividades filantrópicas, órgãos de governança e outras atividades que carreguem o DNA e a reputação da família. Um family office opera bem ao mapear a trajetória da família para cada uma destas atividades e ao organizar seus serviços, tempo, administração, alocação de pessoal e recursos para atender às necessidades em constante evolução da empresa familiar como um todo.

Com esta estrutura em mente ao arquitetar o family office, é importante, em primeiro lugar, realizar uma avaliação, identificando questões-chave, objetivos e necessidades importantes para os membros da família referentes à continuidade da família, dos negócios e da propriedade – seja ela de natureza financeira ou não. Os membros da família devem ter a oportunidade de expressar individualmente suas principais preocupações, interesses e necessidades – tanto atuais quanto antecipadas – e suas prioridades. Antes de planejar o family office, também é útil compreender o propósito da família, suas forças e aspirações e as necessidades de sua empresa familiar como um todo.

Com essas informações em mãos, os diretores do family office podem projetar a estrutura correta e dedicar uma quantidade apropriada de recursos para construir um family office na medida correta e especificamente equipado para sua família e que crescerá juntamente com ela.

Além de fornecer aos proprietários do patrimônio uma boa quantidade de informações úteis a respeito das necessidades da família agora e no futuro, este processo também inclui os membros da família e os grupos de governança a que o family office irá servir. Não há preço que pague a confiança que é construída quando os membros da família sentem-se ouvidos e representados em uma organização da qual se beneficiam.

Dedique uma quantidade apropriada de tempo e recursos tanto para os objetivos financeiros da família quanto para os não financeiros.

O family office frequentemente é o lugar correto para administrar e executar de modo central as importantes atividades não financeiras em nome da família e do Conselho Familiar.

Estes são exemplos variados dessas atividades não financeiras:

  • Apoio à governança familiar por meio da execução das atividades do Conselho Familiar, tais quais:
    • Organizar os encontros familiares e os eventos da próxima geração que estabeleçam a unidade familiar
    • Organizar projetos familiares que fortaleçam a conexão da família com o negócio
    • Respeitar o protocolo familiar
    • Administrar o newsletter, o site e as pesquisas da família
    • Ajudar o Conselho Familiar a pensar estrategicamente sobre como realizar a missão e os objetivos da família e recomendar iniciativas
  • Estruturar programas de desenvolvimento de talento para a família, tais quais:
    • Desenvolver as soft skills da família
    • Instruir a família a respeito de seus bens e do papel dos proprietários
    • Preparar os membros da próxima geração para atuar nos conselhos das companhias da família em operação
    • Preparar os membros da família para atuar no Conselho Familiar
    • Instruir as crianças a respeito de uma identidade patrimonial saudável
  • Organizar atividades filantrópicas na ausência de uma fundação filantrópica familiar

É necessário reconhecer que, na maioria dos sistemas, as atividades que estabelecem unidade e desenvolvem talento, como estas citadas acima, são da esfera do Conselho Familiar. O Conselho Familiar é responsável por criar as estratégias para a família. O family office precisa de uma coordenação íntima com o Conselho Familiar para deixar claro o papel de cada grupo. Notamos dois cenários típicos:

  1. O Conselho Familiar conduz as iniciativas relativas ao estabelecimento de unidade e ao desenvolvimento de talento da família e solicita que o family office administre e ajude a executar, ou
  2. O Conselho Familiar convida o family office a auxiliar na recomendação dos planos de longo prazo do Conselho Familiar para a família, assim como em sua administração e execução.

Em ambos os casos, é importante haver uma comunicação contínua entre os dois grupos para delinear papeis e responsabilidade e saber quem toma quais decisões.

 

Uma estrutura de governança holística é necessária para se ter um family office eficaz

Um family office tende a supervisionar um espectro amplo de atividades e serviços. Tal complexidade exige que a família tenha clareza a respeito de sua direção e objetivos, e o family office, de suas responsabilidades e autoridade relativa às operações bem-sucedidas da entidade. Um ingrediente-chave para atingir este nível de direção e clareza é um sistema de governança em plena operação, que guie e estabilize o family office e estabeleça uma relação de confiança entre seus acionistas.

No início, o sistema de governança pode ser estruturado de modo informal, mas, à medida que a família e o family office tornam-se cada vez mais complexos, um sistema de governança mais formal é necessário. Isto frequentemente surge na forma de uma diretoria ou conselho de supervisão com comitês compostos de proprietários da família e conselheiros independentes. O princípio que adotamos é projetar um sistema de governança na medida correta para o family office atingir seus objetivos estratégicos e não exceder o que é realmente necessário.

Leve estes elementos em consideração ao projetar a governança de seu family office:

  1. Tenha clareza a respeito da missão (propósito) e visão de seu family office. Sua estrutura de governança precisa dar suporte para o family office realizá-las.
  2. Defina o propósito, o papel, as responsabilidades e a estrutura de governança de seu family office.
  3. Desenvolva um estatuto do family office que defina seu escopo com responsabilidades claras, autoridade e políticas e procedimentos redigidos para a tomada de decisões, informação, relatório e supervisão.
  4. Estabeleça diretrizes de comunicação e crie um protocolo de comunicação para a administração, a governança e os proprietários referente ao modo como diversas questões devem ser comunicadas. Considere maneiras de abrir canais de comunicação para manter os acionistas importantes informados, para adquirir uma diversidade de pensamento e para garantir que vozes diferentes sejam ouvidas.
  5. Identifique o perfil, a experiência e as qualificações dos indivíduos que melhor representarão a família e que servirão profissionalmente ao family office nos papeis de governança. Determine seus papeis, quantos indivíduos são necessários, quais serão seus limites de mandato e como eles serão compensados.
  6. Integre a governança do family office no sistema total de governança da empresa familiar. Coordene suas atividades com os outros fóruns de governança na empresa familiar, tal qual o Conselho Familiar e o Conselho dos Proprietários. A coordenação e o compartilhamento de informações minimizam os conflitos, propiciam clareza dos deveres, possibilitam a alocação de recursos e produzem os resultados desejados na empresa familiar. O diálogo frequente e efetivo entre os fóruns é um elemento crítico para o estabelecimento de confiança e de relações sustentáveis por toda a empresa familiar.

É importante reavaliar a adequação da governança do family office com o tempo, baseada em sua capacidade de satisfazer o propósito e a visão compartilhados pela família. Isso é fundamental para garantir que o family office continue a ser relevante para a próxima geração. Trabalhe de perto com a geração ascendente para adaptar o modelo de governança a seu estilo cultural e para desenvolver os serviços e atividades do family office que atendam às suas necessidades e objetivos estratégicos.

 

Considerações finais

As necessidades de uma família e as demandas impostas ao family office evoluem com o tempo e o family office deve evoluir junto com elas.

O family office sempre deve manter uma forte conexão com a família ajudando-a a realizar seus objetivos estratégicos. Embora a administração de patrimônio e a supervisão dos investimentos sejam atribuições-chave, o family office deve dedicar uma quantidade apropriada de tempo e recursos para as atividades não financeiras que ajudarão a fornecer um apoio à própria família, além de seu patrimônio.

É necessário haver uma cultura que permita o family office a manter-se adaptativo e ágil, em constante evolução para acompanhar as necessidades e expectativas da próxima geração. Sem a habilidade de evoluir junto com a família e de manter com ela uma forte conexão, o risco de tornar-se um family office por apenas uma geração é alto.

[1] Este artigo trata apenas do single family office (SFO) e de suas necessidades. Um SFO é um family office privado que serve apenas a uma família ou a ramos distintos da mesma família. O artigo não explora o multi-family office (MFO), que serve a múltiplas famílias sem relação entre si.