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João Bosco Silva
Consultor sênior e sócio, Cambridge Family Enterprise Group Brasil

 

O Grupo Silvio Santos (GSS) passou por uma mudança importante: Renata Abravanel, filha mais nova do apresentador, deverá assumir como CEO do grupo, posição ocupada nos últimos nove anos por Guilherme Stoliar, sobrinho de Silvio. Stoliar havia substituído a Luiz Sebastião Sandoval, que ficou à frente do grupo por 40 anos.

A expectativa é de que a sucessão na gestão ocorra sem grandes distúrbios: Renata tem boa formação
(é graduada nos Estados Unidos) e vem trabalhando com Stoliar nos últimos anos, o que contribuiu na
preparação. Porém, considerando as características do conglomerado e o estilo de gestão do fundador,
acredito que o processo será desafiador.

O empreendedor Silvio Santos

Filho de judeus que emigraram para o Brasil, Senhor Abravanel adotou o nome artístico de Silvio Santos ao iniciar a carreira como locutor de rádio. Começou trabalhando como camelô na adolescência e quando entrou para o rádio não parou mais. Completou 62 anos atuando na TV e é considerado um dos maiores pagadores de imposto de renda do Brasil.

Silvio representa o brasileiro que saiu do nada e, com seu talento e veia empreendedora, montou um grupo de sucesso. Está com 89 anos, possui uma vida ativa e é sem dúvida um fenômeno na área empresarial, além de excelente comunicador.

A família

Seu estilo de gestão foi o de sempre colocar algum familiar à frente das empresas enquanto ele próprio cuidava do que sempre gostou: o SBT. É um típico grupo familiar com todos os herdeiros trabalhando no conglomerado.

Silvio Santos possui seis filhas, que compõem a segunda geração do grupo empresarial, 13 netos, na terceira geração, e quatro bisnetos, na quarta geração. Atualmente, além de Renata – que atua na gestão do GSS –, Daniela Beyruti é diretora artística no SBT, Patricia é apresentadora no canal e Rebeca, diretora da empresa de cosméticos Jequiti. As filhas do primeiro casamento, Cintia e Silvia, também têm funções no grupo e a esposa, Íris, escreve novelas para a emissora.

O Grupo Silvio Santos

O GSS foi fundado há 60 anos e possui receitas anuais superiores a R$ 1 bilhão. As empresas do conglomeradosão bem diversificadas, destacando-se o SBT, rede de TV que tem 14,9% da audiência no Brasil, a Sisan Empreendimentos Imobiliários, a Jequiti Cosméticos, o Hotel Jequitimar, a Liderança Capitalizações e a TV Alphaville, que oferece serviços de TV por assinatura, internet em banda larga e telefonia em condomínios na região de Barueri.

Também faz parte do grupo a Maricultura Netuno e Frutivita, exportadora de lagostas, camarões e uvas. Também possuía no seu portfólio de negócios o Banco Panamericano, que era administrado por Rafael Paladino, sobrinho de sua esposa. Em 2010, o banco sofreu intervenção do Banco Central e teve de recorrer ao fundo garantidor de créditos FGC para fazer um aporte de R$ 2,5 bilhões e evitar que o banco falisse, prejudicando seus clientes.

Silvio Santos foi tomado de surpresa, mas agiu rapidamente. Afirmou que ninguém sairia prejudicado e colocou todos seus bens em garantia para o empréstimo do FGC. O então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, declarou na época que a atitude era “rara e inusitada”. De fato não é usual, especialmente se observarmos o que aconteceu com banqueiros empresários que desviaram fortunas e deixaram o prejuízo para o fisco e os contribuintes.

A fraude indicou que o banco vendia carteiras de crédito duasvezes e simulava resultados contábeis para gerar lucro e pagar altas remunerações aos executivos. Sete de seus dirigentes foram indiciados pela Polícia Federal e em setembro de 2011 o Panamericano foi vendido ao Banco Pactual por R$ 450 milhões. Na época, Silvio declarou não ter recebido “nem um tostão de dividendos”.

Os desafios da sucessão 

Com minha experiência em gestão de empresas familiares, acredito que, embora o Grupo Silvio Santos tenha secpreparado para esta transição e formado muito bem as sucessoras à frente de cada negócio, não será simples, pois trata-se da passagem de bastão de um empreendedor e comunicador nato. A sucessão, embora planejada, demorou muito a acontecer. O fundador como gestor sempre tomou todas as decisões ligadas ao patrimônio, família e empresa. Agora precisa agora sair de cena e deixar suas herdeiras conduzirem os negócios. Seu papel passa a ser mais de um orientador e mentor dos gestores.

O ideal é que a sucessão ocorra não apenas quando o sucedido quiser realizá-la, mas quando o sucessor estiver preparado. É necessário estruturar o processo tomando alguns cuidados:

  • Separar os fóruns da decisão 

Ter um fórum específico para discussão de temas ligados a acionistas (Conselho de Acionistas), como decisões sobre o portfólio, entrada e/ou saída de negócios, distribuição de dividendos, etc. Para os assuntos ligados a família, criar um Conselho de Família onde se discutem a preservação do legado, os valores do fundador e a formação dos atuais e futuros herdeiros.

A gestão das empresas deve estar ligada ao Conselho de Administração. Neste fórum serão aprovadas as principais decisões ligadas à gestão do grupo, como níveis de endividamento, estratégia, gestão de pessoas. Pelas informações da mídia, já existe um Conselho de Administração constituído com profissionais qualificados e experientes que poderão suportar a nova CEO. A governança estruturada com os diversos fóruns funcionando é fundamental nesta transição.

  • Manter a família unida 

Um dos grandes desafios nestes processos é manter a família unida em seus propósitos e direcionamentos, em torno do que denominamos estratégia da família empresária. Discutimos a visão do futuro e os caminhos potenciais de crescimento unindo os membros em torno dos seus valores. Ética e simplicidade são valores importantes de serem preservados em um grupo cujos negócios estão fortemente ligados a imagem. A história e o legado de Silvio Santos precisam ser registrados e resguardados não só para a família como também para as futuras gerações de brasileiros.

A família precisa se estruturar para no futuro conviver sem a presença do fundador para arbitrar decisões. Por isso é importante identificar os perfis dos acionistas. Quem são os empreendedores? Quem são os mantenedores? Quem são os líderes que podem atuar para manter a família unida?

  • Avaliar o portfólio de negócios

J. Davis, professor do MIT e fundador da Cambridge Family Enterprise Group, diz que uma das decisões mais importantes dos acionistas é definir em que negócios ficar e de quais sair. Em uma declaração no passado, Silvio Santos afirmou: “Dizem que tenho 30 empresas. Eu só conheço três: a Jequiti, muito atuante no mercado, a Liderança e o SBT. Eu acho que a Liderança é a única que gera resultados em função da minha popularidade”. Se estas informações ainda prevalecem, cabe uma análise do portfólio para avaliar o retorno sobre o capital investido e tomar as ações necessárias para garantir o crescimento e a rentabilidade.

É também importante avaliar as mudanças tecnológicas e de comportamento do consumidor. Um grupo tão focado em entretenimento precisa inovar e buscar novas tecnologias e oportunidades. Esta indústria está se transformando rapidamente e novos entrantes – como Netflix, Amazon, Apple, Facebook e Google – estão mudando os hábitos do consumidor.

O mercado de propaganda que sustenta a mídia de TV está migrando rapidamente para o universo digital, para onde também se movem os clientes. Nos próximos cinco anos esta indústria será completamente diferente, o que traz para o GSS, um grupo conservador que costuma manter seus CEOs no cargo por períodos muito longos, um tremendo desafio de se reinventar.

 

SOBRE O AUTOR

João Bosco Silva
Consultor sênior e sócio, Cambridge Family Enterprise Group Brasil

João Bosco Silva é consultor sênior e sócio da Cambridge Family Enterprise Group – Brasil, uma
consultoria internacional altamente especializada na criação de valor para famílias empresárias.
Fundada em 1989, a Cambridge dedica-se a ajudar as famílias a obter sucesso em seus empreendimentos
através das gerações. Ex CEO de empresa familiar de grande porte e de empresa multinacional. Atua
como membro do conselho de várias empresas no setor de varejo, agronegócio, alimentos, mineração,
infraestrutura e serviços. Possui extensa experiência em gestão e estratégia de negócios e liderança de
equipes.