Como empresas familiares duradouras e de alta performance com um portfolio amplo de atividades conquistam o sucesso constante? Nós compreendemos todos as funções e atividades que de fato fazem a diferença?

A performance de grandes sistemas de empresas familiares que dura por gerações é esculpida e administrada de modo refletido por longos períodos de tempo. Um ingrediente essencial para o sucesso é ter um líder comprometido com a empresa familiar: um acionista ativo sentado no topo (ou no cerne) da empresa familiar com a visão de nível mais elevado – e mais amplo – do sistema como um todo. Este líder molda constantemente a empresa e ajuda a guiar a família em sua jornada conjunta. Chamamos esta pessoa (com frequência, trata-se de um indivíduo, mas, às vezes, de alguns indivíduos) e esta função de liderança da empresa familiar. Podemos considerá-la o “líder superior” das atividades e ativos partilhados pela família.

Embora seja vital para o sucesso, o líder da empresa familiar é uma função frequentemente negligenciada, anônima e subvalorizada. Tipicamente, este líder superior é o estrategista mais hábil, integrador e capaz de pensamento a longo prazo de sua geração. A função aumenta a probabilidade de criação significativa de valor prolongada em múltiplas gerações.

Este artigo descreve o papel do líder da empresa familiar, suas características únicas e sua área de foco principal. Ele também enfatiza por que é crítico cultivar tal função e preparar-se para sua sucessão e transição. O perfil fornecido é ambicioso: agradecemos aos inúmeros líderes bem-sucedidos de empresas familiares com os quais trabalhamos para buscar inspiração para este relato coletivo de comportamentos, habilidades e mentalidades de referência.

A função do líder superior: da coordenação solta à modelação proativa do destino da família empresária

A tarefa do líder da empresa familiar é complexa e, muitas vezes, não é notada. O líder não trabalha sozinho, mas em conjunto com outros líderes e acionistas no sistema da empresa familiar. A meta primária do líder superior é prever e planejar as necessidades de transformações no sistema da empresa familiar para que ele possa sustentar a criação de valor a longo prazo. O líder estabelece ou propõe continuamente a direção geral para os interesses de longo prazo da família e conduz, de modo perseverante, a estratégia para atingir estas metas. O líder trabalha e pensa sobre as necessidades relativas à tomada de decisões no sistema e na arquitetura de governança como um todo, na medida em que ele/ela conecta, alinha e coordena os membros individuais, as entidades e os fóruns de tomada de decisão. O líder prevê lacunas e riscos e fornece um prognóstico de como alocar recursos e talentos centrais nos vários empreendimentos e atividades da família. Talvez a característica mais importante é que o líder seja frequentemente um unificador na empresa, visando a estabelecer o alinhamento entre toda a família, os acionistas familiares e suas entidades e ativos.

A função deste líder superior é focada no movimento progressivo: guiar o sistema adiante para desenvolver e implementar uma visão familiar. O líder também visa a proteger os valores e a reputação familiar, ao mesmo tempo em que garante a realização das decisões importantes e a adaptação ao sistema. O líder busca que o sistema mantenha o ímpeto particularmente durante períodos delicados de transição, incluindo a sucessão de liderança.

E quando estas transições empacam, muitas vezes é o líder da empresa que detém a liderança e a influência para reaquecer o movimento, sempre disposto a aprender boas práticas e abordagens e a recorrer a consultores especializados.

Como a liderança da empresa familiar distingue-se da liderança do CEO de um negócio familiar?

É importante lembrar que a empresa familiar[1] abrange todas as atividades e ativos significativos que uma família visa sustentar coletivamente ou transmitir para a próxima geração. Isto pode incluir:

  • O negócio principal da família
  • Outros negócios, companhias de investimento e capital privado direto
  • Ativos familiares e investimentos de longo prazo
  • Possivelmente um Escritório Familiar
  • Trusts
  • Um Conselho Familiar; Conselho de Acionistas; Juntas de Diretores; e outros fóruns de governança
  • Fundação Filantrópica ou atividades de impacto social
  • Outras atividades importantes que levam o nome e a reputação da família ou reforçam a unidade familiar

 

O papel do líder da empresa familiar é diferente do papel do CEO de um negócio principal, ou do papel do presidente da Junta, ou do diretor do Escritório Familiar – embora o líder superior possa, com frequência, ocupar uma ou mais destas posições. Não se pretende, com isso, ofuscar a liderança crucial do CEO na companhia principal (ou no Escritório Familiar), local em que a maior parte do patrimônio financeiro da família é gerado ou cultivado.

O líder da empresa familiar é um coordenador e um complemento do(s) chief executive(s) do(s) negócio(s) principal(is) da família. Pense no papel do líder superior como o centro de “controle de tráfego aéreo” de um aeroporto movimentado, indicando aos pilotos (CEOs) como coordenar pousos e decolagens e administrando os riscos gerais do sistema – na família, negócios, propriedade e patrimônio. Dadas a diversidade e a complexidade das atividades de uma empresa familiar ao longo do tempo, seu líder superior supervisiona um amplo espectro de atividades – mais amplo do que (e incluindo) seus negócios principais.

Para atuar de forma ágil, CEOs familiares e não familiares das companhias em operação devem trabalhar junto com os acionistas e a junta de diretores para adaptar e articular as operações de acordo com a necessidade: enfrentando os desafios universais de se desenvolver atividades de negócios, parcerias, linhas e geografias de produtos que possuem potencial para criação de valor e reduzindo ou desmembrando as iniciativas ou unidades de negócio que destroem o valor no curto ou longo prazo. Por outro lado, o papel de supervisionar a coordenação estratégica em todos os negócios, empreendimentos e atividades de uma família, tudo isso enquanto prepara a empresa inteira para o sucesso no futuro – esta complexa responsabilidade recai, inevitavelmente, sobre o líder da empresa familiar.

Então, o que caracteriza o indivíduo (ou subgrupo de acionistas ativos) com uma visão suficientemente elevada do sistema e conjunto de habilidades relevante para ajudar a moldar a empresa?

Os três arquétipos do líder da empresa familiar

Há três modelos de referência de um líder da empresa familiar:

  1. Visionário
  2. Arquiteto
  3. Integrador

As três abordagens são essenciais para uma empresa familiar duradoura. Às vezes, um indivíduo é suficientemente ágil para adotar os três perfis. Mas, com frequência, um líder não é adepto dos três e tenderá a cercar-se de recursos críticos: parceiros familiares, talento não familiar, consultores, coaches ou mentores.

Alguns líderes escolhem formar uma equipe de dois ou três acionistas ativos que, juntos, exercem o papel total do líder da empresa familiar. Em outras vezes, este pequeno grupo de acionistas ativos recebe consultores independentes em seu grupo e forma um conselho superior (chamamos isto de “conselho de portfolio”) para realizar a função. Uma holding nem sempre é estabelecida; às vezes, trata-se de um conselho não legal. Em todos os casos, os líderes superiores de sucesso apoiam-se em fóruns de governança e líderes fortes de todo o sistema.

VISIONÁRIO:

Com visão de futuro e olhar externo, trata-se de alguém que visa a grandes ideias e metas ambiciosas para a família

O papel do visionário

  • Prevê como a empresa deveria se transformar e o que será necessário para criar, reinventar ou sustentar a criação significativa de valor
  • Compreende que uma missão clara para a família é primordial e que todas as atividades estão ligadas a este ímpeto
  • Estabelece a direção e guia as pessoas em obstáculos que exigem crescimento e adaptação

Os atributos do visionário

  • Possui habilidades de previsão; reflete sobre o que irá mudar no ambiente interno e externo
  • Compreende que a empresa está em constante evolução e que sua maior contribuição é guiá-la ao longo da mudança necessária
  • Conhece profundamente as habilidades da família, seu melhor e mais elevado uso e suas limitações
  • É estimulado pela mudança; abraça com fluidez a mudança e a adaptação; perito em desligar-se rapidamente de velhos paradigmas e em mudar para novos modos de pensar, novas atividades e novas tecnologias
  • É decisivo quanto às mudanças de governança de alto nível, incluindo onde e como as decisões mais críticas terão de ser feitas

ARQUITETO:

Projetista cuidadoso do sistema, de sua propriedade e governança

O papel do arquiteto

  • Supervisiona o projeto de alto nível da empresa familiar como um todo e o tipo e número de fóruns de governança; ajuda a conduzir sua jornada ao longo do tempo
  • Reflete sobre os elementos que compõem uma empresa familiar sólida e duradoura e fortalece-os
  • Prevê constantemente grandes questões em torno da estratégia da propriedade e das mudanças no sistema, assim como daquilo que precisa ser reinventado, reagrupado ou mantido em separado e conectado de modo mais frouxo

Atributos do arquiteto

  • Um estrategista disciplinado; um pensador de amplo espectro com um espírito analítico que identifica oportunidades e potencial
  • Grande negociador; persuasivo e sofisticado em sua habilidade de exercer influência
  • Gosta de problemas desordenados, complexos e ambíguos; não é um pensador binário; ao invés de um pensamento “ou isso, ou aquilo”, acredita em “sim para isso e aquilo”
  • Perito em mobilizar recursos para concretizar as coisas
  • Abraça o trabalho com o talento superior, tanto com pensadores quanto com executores, para continuar a construir uma visão de longo prazo e um sistema duradouro
  • Cultiva relações externas que beneficiarão distintas partes do sistema

INTEGRADOR:

Unificador da empresa familiar como um todo, planeja pragmaticamente e em detalhes como alavancar recursos e alinhar metas em todo o sistema

O papel do integrador

  • Escala a criação de valor, integra a gestão de risco e acelera a pauta de inovação incremental e disruptiva em todo o sistema
  • Busca constantemente mais fontes de sinergias, fertilizações cruzadas e maneiras de alavancar os recursos e a diversidade de talento entre as entidades
  • Redefine ou reestrutura os papeis centrais de liderança de acordo com a necessidade

Atributos do integrador

  • Compreende como as partes se encaixam para formar o todo, e como uma decisão afetará as demais; capaz de conectar as partes móveis de um sistema complexo e dinâmico; adepto do pensamento holístico, ao invés do pensamento segmentado
  • Enfrenta as tensões e as ideias contrárias de modo construtivo e trabalha para melhor integrá-las
  • É pragmático e explorador ao mesmo tempo, procura possibilidades de oposição e de trade-offs e busca oportunidades de sinergia
  • Alinha, motiva e inspira as pessoas a caminhar para frente na mesma direção

10 áreas de atividade do líder da empresa familiar

Um líder da empresa familiar competente prevê e molda estas 10 áreas ou aspectos críticos da empresa familiar:

  1. Identificar as atividades de criação de valor & os investimentos
  • Identifica os negócios, investimentos e atividades em que a família deveria considerar empenhar-se conjuntamente
  • Identifica os parceiros estratégicos que podem ajudar a realizar a visão familiar
  • Engaja-se em análises amplas dos pontos em que o sistema está demasiadamente exposto, destruindo valor ou deixando de lucrar
  • Toca a pauta de inovação e a fertilização cruzada de ideias; alavanca as oportunidades de modo que a empresa continue a gerar mais valor do que a soma de suas partes
  • Identifica os riscos que podem surgir nas várias partes do sistema (por exemplo, no(s) negócio(s) principal(is), nos investimentos ou nos negócios adjacentes) e como mitigá-los
  • Prevê oportunidades nas várias entidades que são parte do sistema ou nos negócios que a família ainda não criou ou nos quais ainda não investiu
  1. Projetar a estratégia de propriedade
  • Supervisiona ou coordena o projeto da estrutura correta de propriedade, incluindo o número de entidades no sistema e como a família deveria possuí-los
  • Compreende ou fomenta a compreensão de como cada propriedade da entidade deveria evoluir (ou ser substantivamente transformada ou dissolvida)
  • Enxerga como agrupar ou desmembrar alguns negócios
  • Explora o melhor encaixe para o Escritório Familiar e a necessidade e as funções de holdings
  • Supervisiona a sucessão para garantir que o controle seja transmitido aos acionistas certos e que opções de aquisição e liquidez estejam acessíveis aos acionistas
  • Prevê problemas de planejamento tributário com os especialistas certos
  1. Moldar o mapa da governança
  • Molda a governança de todo o sistema (incluindo o número e tipos de juntas de diretores e como elas se relacionam)
  • Analisa os pontos em que há necessidade de juntas de diretores, em qual nível e quais são suas funções (conselho de “portfolio” superior, conselhos subsidiários, e assim por diante)
  • Ajuda a garantir a governança efetiva (a habilidade de tomada de decisões) em todo o sistema e procura corrigir incoerências e inconsistências
  • Designa ou propõe um sistema de hierarquia e comunicação para os fóruns de governança e entidades para coordenar efetivamente
  • Determina ou propõe como o Escritório Familiar será gerido
  • Cria um plano para manter o Conselho Familiar como um grupo estratégico
  • Garante que os acionistas sejam um grupo em pleno funcionamento
  1. Prever e planejar as necessidades de alocação de recursos
  • Determina como alocar e partilhar recursos nas diferentes entidades para sustentar a criação de valor no longo prazo, incluindo investimentos vultosos em capital humano
  • Incentiva os líderes a prever o que pode ser otimizado ou simplificado; quais entidades devem ser encabeçadas e quais iniciativas devem ser desmanteladas
  • Supervisiona a engenharia financeira e a engenharia social inovadoras para engajar-se em novos negócios ou investimentos que moldarão as habilidades de criação de valor futuro para a família e seu conjunto futuro de habilidades, ao mesmo tempo em que continua a assumir uma posição de controle
  • Garante a integração destes planos com o projeto de estratégia da propriedade
  1. Supervisionar o talento estratégico
  • Prevê como abordar o desenvolvimento de talento familiar e a atração de talento não familiar e sua integração
  • Descreve como diferentes papeis e transições de liderança relacionam-se (por exemplo, entre o(s) negócio(s) principal(is), as atividades de investimento do Escritório Familiar, o Conselho Familiar e outros empreendimentos mais recentes, possivelmente autônomos)
  • Analisa como redefinir potencialmente alguns destes papeis de liderança, assim como suas fronteiras e sobreposições
  • Incentiva a comunicação e a coordenação de algumas ações dos vários líderes de diferentes entidades
  • Identifica em quais partes há vácuos de liderança atuais e futuros e como estabelecer um banco de talentos
  1. Analisar o melhor encaixe da família na empresa
  • Considera os papeis em que os membros individuais da família podem gerar valor
  • Garante que os membros da família possuam os recursos e a atenção necessários para desenvolver seu pleno potencial para robustecer a empresa e para manter a reputação familiar
  • Garante que a família permaneça conectada à sua empresa
  • Garante que os valores familiares sejam embutidos nas organizações
  • Compreende as necessidades das famílias nucleares que são parte da família mais ampla, assim como as metas e aspirações dos membros familiares individuais
  1. Prever a trajetória da família
  • Garante que a missão e a visão familiares sejam revistas de acordo com a necessidade, de modo que se tornem esclarecidas, inspiradoras e realizáveis
  • Tenta prever focos de conflito entre os membros familiares que poderiam impedir o ímpeto
  • Garante a existência de unificadores familiares que mantêm a unidade e o alinhamento na família
  1. Preparar as transições geracionais
  • Visualiza como definir o ritmo da transição entre as funções e as entidades de liderança de acordo com as faixas etárias e as gerações
  • Orquestra o planejamento das transições em todo o sistema, incluindo a liderança do CEO no negócio principal, mas não se restringindo a ela
  1. Pensar constantemente em como conectar diferentes partes do sistema para adquirir alavancagem e sinergias orientadas para o valor
  • Propõe como conectar os investimentos ativos do negócio familiar com os investimentos mais passivos do Escritório Familiar
  • Reflete sobre como conectar os investimentos para o lucro com investimentos não lucrativos entre os negócios em operação e a(s) organização(ões) e iniciativas filantrópicas da família
  • Considera como melhor integrar talento familiar e não familiar nos papeis de liderança sênior, propriedade e governança
  1. Enfrentar as mudanças em curso, assim como os choques e conflitos internos e externos
  • Trabalha para ajudar a família a recuperar-se de más experiências, ímpeto empacado, hiatos de talento ou períodos em que a família destruiu mais valor do que criou
  • Mantém a família focada na adaptação constante em face de ventos adversos intensos

A liderança superior de uma empresa familiar importa

À medida que o mundo passa por mudanças disruptivas aceleradas, é essencial possuir um ou mais acionistas familiares de fato dedicados a este papel de liderança superior. Toda família empresária pode beneficiar-se de uma melhor compreensão, definição e celebração deste papel. Não é fortuito que, em sistemas nos quais vemos importantes riscos se formando e algumas tendências apontando para a destruição significativa de valor, a posição do líder da empresa familiar esteja vaga ou ocupada pela pessoa (ou equipe) errada para a função, ou ainda pelas pessoas certas, mas o resto do sistema impede-as de realizar sua capacidade de liderança.

É fundamental planejar para a evolução, sucessão e transição deste papel crucial de geração a geração, o assunto de nosso próximo artigo.

Para discutir as necessidades da liderança superior de sua empresa familiar, contate-nos: contato@CFEG.com ou +55 (11) 2495-0082.

[1] O conceito e a estrutura da “empresa familiar” foram desenvolvidos em 2013 pelo Dr. John A. Davis, fundador e presidente do Cambridge Family Enterprise Group.

Pascale Michaud, CFEG partner and portfolio strategist

Partner and Senior Advisor, Cambridge Advisors to Family Enterprise; Fellow, Cambridge Institute for Family EnterprisePascale Michaud is an advisor to family enterprises throughout the world on strategies and governance models for their successful continuity. She advises multigenerational family enterprises on issues of corporate growth, business strategy and governance, innovation management, digital preparedness, leadership transitions, next-generation development, family governance, and family and corporate philanthropy.

Courtney Collette, Senior Advisor & Partner and COO, CFEG

Partner and Senior Advisor, Cambridge Advisors to Family Enterprise; COO, Cambridge Institute for Family EnterpriseCourtney Collette is Chief Operating Officer of the Cambridge Institute for Family Enterprise, a research and education institute devoted to multigenerational family enterprises. Since 2011, she has led its education programming, conferences, research studies, and publications. As head of education programming, Ms. Collette designs curricula for seminars, workshops, and online courses for family enterprise audiences worldwide including bespoke private programs for individual families and organizations. She has authored several publications pertaining to the success of family enterprises, including articles, Harvard case studies, and the book, Next Generation Success, a 10-year study of next generation talent development in global family enterprises. Ms. Collette spent a decade as a trusted advisor to business families on the issues of governance, family relationships, succession, and next generation readiness.