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Marius Holzer
Diretor de Operações, Parkview

Mario Marconi
Consultor Sênior e Sócio Associado, Cambridge Family Enterprise Group

 

O verdadeiro risco em uma crise econômica é que uma família perca grande valor devido à falta de liquidez necessária para passar pelos tempos difíceis. Apenas os proprietários de empresas e investidores que têm a paciência, os planos firmes e a liquidez adequada – ou o acesso à liquidez – para superar a recessão colhem as vantagens de uma recuperação.

Neste estágio ainda inicial da pandemia do Covid-19 e da crise econômica, a visibilidade do futuro é limitada e estamos apenas descobrindo, lentamente, a enormidade das ramificações sociais, econômicas e relativas à saúde desta perturbação. A despeito da visibilidade limitada, as famílias ainda precisam tomar decisões-chave durante a crise: tanto decisões de curto prazo referentes ao financiamento de suas companhias e famílias, quanto algumas decisões de longo prazo relativas a seus investimentos futuros.

Para tomar essas decisões de modo prudente, os proprietários de empresas familiares precisam entender suas opções de financiamento de curto prazo e também analisar a sustentabilidade de seu portfólio, de seus negócios como um todo e de outros investimentos.

O risco real de crises econômicas monumentais – como a crise financeira global de 2008 e a recessão causada pela pandemia do Covid-19 – é perder grande valor devido à falta de liquidez necessária para passar pelos tempos difíceis. Para a maioria das famílias empresárias, o impacto econômico induzido pela pandemia é um lembrete doloroso de quão importantes são a liquidez e o gerenciamento cauteloso do fluxo de caixa. Apenas os proprietários de empresas e os investidores que têm a paciência, os planos firmes e a liquidez adequada – ou o acesso à liquidez – para superar a recessão colhem as vantagens de uma recuperação. Como vimos na grande recessão de 2008, a família preparada que tem liquidez ao alcance das mãos transformará a crise em uma oportunidade, adquirindo bens estratégicos a preço de banana. Se você for forçado a liquidar investimentos e a vender empresas para se manter solvente porque seu dinheiro acabou, você inevitavelmente destruirá um patrimônio considerável. Talvez valha o sacrifício de vender bens úteis para se manter vivo financeiramente agora – mas há muito a ser aprendido com as lições de uma crise para que uma família esteja melhor preparada para a próxima.

As decisões tomadas durante uma crise afetarão materialmente a fortuna de longo prazo da família.

5 MOTIVOS PELOS QUAIS AS FAMÍLIAS FICAM VULNERÁVEIS À ILIQUIDEZ

A famílias e suas empresas podem ficar vulneráveis à iliquidez por vários motivos:

O patrimônio familiar tende a ficar concentrado na empresa familiar, à qual uma família empresária é leal, atuando como sua protetora. Tal lealdade incentiva as famílias a pensar em sua companhia como uma instituição a ser mantida, e não como um investimento para criar valor. Quando as empresas não produzem bons rendimentos, ou até mesmo têm prejuízo, as famílias frequentemente permanecem leais a elas, não apenas imobilizando seu capital, como frequentemente injetando mais capital para mantê-la funcionando. Isto geralmente é algo inteligente se a companhia é um bom investimento e a família tem a liquidez para investir. Famílias inteligentes acumulam grandes reservas de dinheiro para oportunidades e recessões.

Dados a sua natureza avessa ao endividamento e o seu desejo de ter controle completo da propriedade de suas companhias, as famílias geralmente assumem linhas limitadas de débito e de crédito, e não tem acesso aos mercados de capital, ou sequer muito conhecimento sobre eles. Esta orientação pode limitar a companhia familiar quando ela precisa de liquidez no curto prazo, ou quando uma grande quantidade de liquidez é necessária para sustentar uma empresa, como agora.

Outros investimentos da família são realizados tipicamente naquilo que a família conhece e gosta, e normalmente na vizinhança setorial e geográfica do bem principal. Famílias empresárias geralmente não são estrategicamente diversificadas, não têm outras fontes de liquidez exceto sua empresa e não fizeram planos para os momentos em que a liquidez terá oferta baixa.

O processo de investimento pelas famílias tende a ser menos estruturado, com os investimentos feitos naquilo que elas conhecem, profundamente influenciados por visões subjetivas dos membros da família, amigos e outros conselheiros. Uma visão sistemática do portfólio total da família (mesmo em uma crise) geralmente produzirá diversos modos de reduzir custos e gerar maiores rendimentos.

As famílias em mercados emergentes estão particularmente expostas a economias em rápido declínio. Na medida em que os mercados desenvolvidos são amplamente apoiados por medidas fiscais e monetárias sem precedentes, os governos de países emergentes têm capacidade limitada de amortecer suas economias. Embora fosse tentador contrair empréstimos em moedas fortes estrangeiras a taxas baixas recorde durante os anos recentes de boom, esses empréstimos têm um efeito bumerangue à medida que sobem como um balão devido a moedas locais que enfraquecem.

Ficar parado em uma crise econômica severa é a estratégia errada para a maioria das famílias, mesmo que a liquidez permita.

COMO REFORÇAR A LIQUIDEZ FAMILIAR EM UMA CRISE

Dada a exposição mais concentrada das famílias empresárias, ficar parado em meio a uma crise econômica severa é a estratégia errada para a maioria das famílias, mesmo que a liquidez permita. Nestas condições, algumas empresas entrarão em inadimplência e deixarão de existir, e o valor da maior parte dos investimentos mudará.

Há diversas medidas que as famílias podem tomar ao buscar acesso à liquidez durante uma crise econômica:

As famílias precisam avaliar sistematicamente seu portfólio total de negócios e outros investimentos e compreender suas necessidades e opções de liquidez a curto, médio e longo prazo. Quais mudanças socioeconômicas são temporárias e quais são permanentes? Quais despesas podem ser suspensas ou postergadas? Quais bens podem ser liquidados a valores justos sem aumentar o risco geral do portfólio? Os valores, a missão e os objetivos familiares guiarão o processo decisório.

Uma vez conhecidas as exigências do fluxo de caixa e as prioridades estratégicas de forma agregada, as entradas de caixa podem ser adequadas àquelas exigências, as fontes existentes de liquidez podem ser identificadas e as lacunas financeiras, fechadas.

É essencial revisar e negociar as opções de fontes externas de capital, uma vez que isso pode evitar a liquidação de bens outrora saudáveis a preços deprimidos. Dados a relutância das fontes tradicionais de débito (bancos) e o tempo e custo necessários para o acesso aos mercados de capital, caminhos alternativos de financiamento precisam ser considerados, tais quais otimizar o capital de giro (acelerando/agenciando recebíveis, postergando passivos), desbloquear capital de longo prazo (por exemplo, venda-leaseback de bens fixos), ou negociar linhas de crédito com clientes e fornecedores.

Pode ser necessário fechar ou alienar negócios com perspectivas sombrias.

Como benefício destas medidas, os passivos e riscos gerais para a família podem ser reduzidos e o capital liberado para projetos mais promissores. As decisões tomadas durante este processo provavelmente impactarão materialmente a fortuna familiar.

PREPARE-SE PARA A PRÓXIMA CRISE

Uma vez que a família tenha superado os obstáculos de curto prazo de uma crise, é vital integrar suas lições aprendidas a seu portfólio e sistema de governança para se preparar melhor para a próxima crise.

Um portfólio de negócios e investimentos que não sucumba às cinco vulnerabilidades descritas acima é essencial para enfrentar a próxima crise com a liquidez adequada. Faça planos para o cenário em que a liquidez estará esgotada. Diversifique estrategicamente. Forme grandes reservas de dinheiro. Familiarize-se com os mercados de capital e as fontes alternativas de capital para ter fontes de liquidez fora de sua empresa. Aliene bens que não formam mais valor para a família, independentemente de seus vínculos emocionais.

Ajustes na governança, nas políticas de investimento e na gestão geral do risco também são tipicamente necessários. É importante ter um processo estruturado de investimento que avalie o portfólio total da família e suas necessidades em transformação. Como na maioria das situações difíceis, um conselheiro confiável pode desempenhar um papel útil em todo o processo de avaliação, de planejamento de opções, reposicionamento, negociação e implementação. Consultores independentes têm um discernimento objetivo e podem ajudar a superar pontos de vista limitadores e apegos a tradições obsoletas e a bens improdutivos que podem ter sido desenvolvidos ao longo do tempo.

Uma vez que o futuro será volátil, é fundamental prestar atenção ao horizonte de longo prazo mesmo nesta fase da crise orientada pelo curto prazo. Como sabemos a partir de outros âmbitos da vida, é melhor prevenir do que remediar.