Como os empreendimentos familiares podem tomar a difícil decisão de reduzir ou suspender download pdfos dividendos a seus acionistas familiares durante uma crise econômica? A resposta é: “esteja preparado para ser flexível”.

A pandemia de COVID-19 é o mais recente exemplo, em uma escala inédita, da dura realidade de que coisas ruins podem e irão acontecer. As recessões econômicas ocorrem de modo cíclico, e disrupções de vários tipos – ambientais, tecnológicas e sociopolíticas, bem como econômicas – podem causar a derrocada de empresas e setores inteiros. O futuro chegou e é turbulento.

Em épocas de crise econômica, a pressão para reduzir ou suspender os dividendos aos proprietários de empreendimentos familiares pode ficar intensa. Embora muitos membros da família sejam altamente (ou até mesmo exclusivamente) dependentes de dividendos para sua renda, pode ser necessário realocar os pagamentos de dividendos para a solvência de curto prazo ou para a sobrevivência de longo prazo do empreendimento familiar. Decisões difíceis são necessárias.

Reinvestimento nos negócios ou dividendos do proprietário?
Mesmo nos melhores momentos, os proprietários de um empreendimento familiar devem tomar decisões estratégicas referentes à alocação do lucro líquido de sua empresa para dois propósitos: sustentabilidade dos negócios ou sustentabilidade familiar.

Company Profits in a Family Business

Do lado dos negócios, os lucros podem ser direcionados para usos importantes que promovem o vigor operacional da empresa e situam-na em uma melhor posição para crescimento futuro. As possibilidades incluem construir uma reserva de caixa, aprimorar a eficiência tecnológica e produtiva e investir em novas oportunidades e aquisições. Do lado da família, os lucros que não permanecem no interior da empresa transformam-se em dividendos.

É importante definir dividendo: o pagamento de algum lucro em dinheiro aos acionistas de uma empresa, seja ela de capital aberto ou privado (é importante notar que pagamentos em dinheiro podem ser chamados de “distribuições” em vez de “dividendos” quando eles provêm de alguma outra forma legal de propriedade, tal qual uma sociedade de responsabilidade limitada ou juros de uma participação).

Os dividendos de empreendimentos familiares muitas vezes são vistos como um instrumento para financiar o estilo de vida dos proprietários, seja referente a gastos essenciais como moradia ou a despesas discricionárias com coisas agradáveis. O que é menos aparente, e muitas vezes negligenciado, é que os dividendos também sustentam uma ampla gama de atividades que ajuda uma família proprietária a permanecer unida e estável por gerações como um grupo de propriedade de longo prazo. Estas atividades incluem:

  • Investimentos familiares conjuntos fora da empresa (por exemplo, ativos com maior liquidez ou novos empreendimentos);
  • Atividades de governança (por exemplo, um Conselho Familiar ou um Conselho de Proprietários);
  • Formação e desenvolvimento da próxima geração (por exemplo, preparo dos membros futuros para se tornarem proprietários e membros do Conselho competentes);
  • Um fundo familiar coletivo para comprar as ações de membros da família que desejam ou precisam vender sua participação;
  • Filantropia familiar e outras atividades de impacto social;
  • Bens familiares que ajudam a unir a família (por exemplo, uma casa de família para reuniões em conjunto).

 

Considerações sobre os dividendos em uma crise econômica

Durante uma crise econômica, quando a lucratividade de um empreendimento familiar pode estar em xeque, o que fazer com os dividendos da empresa é um assunto extremamente delicado. A empresa deveria reduzir o percentual do lucro distribuído como dividendos? De modo ainda mais restrito, a empresa deveria postergar o pagamento de dividendos, ou mesmo suspendê-los totalmente, para preservar a liquidez destinada à solvência e a necessidades operacionais? As duas reivindicações concorrentes sobre os lucros – negócios ou família – podem se tornar particularmente carregadas.

A empresa pode estar sofrendo de problemas sérios de receita e fluxo de caixa. No caso da pandemia de COVID-19, por exemplo, as imobiliárias tinham inquilinos que não conseguiam pagar o aluguel, os fabricantes viram suas fábricas ficarem ociosas e os bancos tinham de lidar com uma lista cada vez maior de clientes inadimplentes. À medida que os orçamentos corporativos são espremidos, os dividendos podem ser vistos como um luxo. É defensável que quaisquer lucros e reservas de caixa disponíveis devam ser usados para sustentar a infraestrutura essencial dos negócios.

Mesmo que uma empresa esteja conseguindo administrar a crise econômica de modo a permanecer relativamente ilesa, os proprietários astutos reconhecem que o futuro é incerto. O conselho e os proprietários podem considerar prudente formar reservas financeiras caso a crise dure mais do que o esperado. Eles podem realocar fundos previamente reservados para o pagamento de dividendos para amparar o caixa em tempos mais turbulentos adiante.

Enquanto isso, os proprietários familiares provavelmente continuarão a precisar de dividendos para suas vidas pessoais. Os membros da família que dependem de dividendos para seu estilo de vida podem ter dificuldades para encontrar rapidamente outras fontes de renda caso os dividendos sejam cortados, e podem encontrar dificuldades em reduzir abruptamente suas despesas pessoais. Mesmo os membros da família que geralmente não dependem tanto dos dividendos (ou seja, aqueles que possuem outras fontes de renda) podem precisar da receita de dividendos com urgência para complementar suas fontes de renda primária em queda. Afinal, os empregos desaparecem, as listas de clientes encolhem, os investimentos desvalorizam e assim por diante. O pagamento de dividendos pode passar de uma fonte secundária de renda para algo de que mais membros da família dependem em larga medida.

Como os empreendimentos familiares reconciliaram estas duas responsabilidades concorrentes e administraram os dividendos durante nossa crise mais recente?

 

Os dividendos e a pandemia de COVID-19

As empresas tinham duas escolhas básicas, cada uma com variações, ao avaliar sua resposta à crise econômica causada pelo COVID-19: (1) continuar a emitir dividendos e, em caso afirmativo, em que montante; ou (2) suspender os dividendos e, em caso afirmativo, por quanto tempo.

Examinamos o desempenho dos dividendos de quinze empresas familiares cotadas na bolsa no período de março de 2020 a maio de 2021 e encontramos uma série de abordagens. As variações dependiam da situação de cada empresa e incluíam alguns ajustes em “tempo real” à medida que o momento passava e as condições mudavam.

Suspensão dos dividendos

Nove das quinze empresas familiares que examinamos suspenderam totalmente o pagamento de dividendos no início de 2020.

Quatorze meses depois, sete empresas ainda não haviam restabelecido o pagamento de dividendos. Eram elas: AMC Entertainment, Carnival, Ford, Marriott, Molson Coors, Nordstrom e Las Vegas Sands. O que havia em comum entre essas empresas é que elas representam alguns dos setores mais afetados pela pandemia de COVID-19. Molson Coors explicou os motivos para cessar o pagamento de dividendos da seguinte forma: preservação de capital durante a pandemia e proteção e reforço de sua posição de liquidez devido à incerteza econômica global.

As duas outras empresas familiares que suspenderam os pagamentos fizeram alguns ajustes posteriores. A Gap suspendeu os pagamentos em janeiro de 2020 e, em seguida, declarou-os postergados em março, para que fossem restabelecidos no mesmo nível em 2021. Eles cumpriram essa promessa durante o primeiro trimestre do ano fiscal de 2021, mas depois reduziram os dividendos na metade para o segundo trimestre. A Estée Lauder suspendeu os pagamentos em junho de 2020, mas os restabeleceu em setembro e, em dezembro, aumentou os dividendos em 10,4%.

Vários fatores diferentes provavelmente influenciaram as estratégias de dividendos das empresas pesquisadas, incluindo:

  • níveis variáveis de dificuldades econômicas, dependendo do setor ou região;
  • sua sensibilidade ao fato de que investidores insatisfeitos poderiam simplesmente levar seu capital para outro lugar;
  • em alguns países, o fato de que algumas medidas governamentais relacionadas à COVID-19 proibiram às empresas o pagamento de dividendos aos acionistas.


Manutenção dos dividendos

Cinco empresas familiares continuaram a pagar dividendos durante a pandemia de COVID-19, mas em níveis variáveis.

A BMW e a Schlumberger decidiram continuar seus pagamentos de dividendos, mas os reduziram em 24% e 75%, respectivamente (no caso da Schlumberger, o corte de dividendos representou uma economia de caixa de 519 milhões de dólares por trimestre). A Solvay reduziu mais da metade de sua taxa de dividendos de 2019 em janeiro de 2020 e, desde então, trocou esse nível de pagamento por um 50% maior. A Solvay também aconselhou os proprietários familiares a doar parte do pagamento aos necessitados, o que muitos dos mais de 1000 acionistas da empresa fizeram.

Três empresas não apenas mantiveram, mas aumentaram seus pagamentos de dividendos durante a pandemia de COVID-19. Essas empresas são: Hormel (aumento de 5,4%), Comcast (aumento de 9,5%) e Dick’s Sporting Goods (aumento de 16%).

Do ponto de vista dos acionistas, a manutenção dos dividendos em um nível mais elevado ou mesmo inalterado durante uma crise é francamente favorável. No entanto, o impacto de um dividendo inalterado ou elevado é turvo, porque os pagamentos de dividendos tradicionalmente são feitos como uma porcentagem dos lucros. Se a empresa passou por declínios nos negócios, os dividendos dos proprietários ainda podem ser afetados. Um empreendimento familiar belga continuou a seguir sua política de dividendos na faixa de 25% a 33% dos lucros líquidos, mas foi totalmente transparente com os membros familiares, deixando claro que o valor real de dinheiro distribuído seria reduzido. Este tipo de comunicação clara com os proprietários é recomendado para definir expectativas, evitar surpreendê-los e ajudá-los a planejar com antecedência.

 

Não há fórmula única, mas estar preparado ajuda

Parece que não há uma única resposta correta em uma crise econômica. Mas, indiscutivelmente, estar preparado (ou despreparado) tem sido um fator principal – e controlável – para as empresas que tentam sobreviver durante a longa e turbulenta jornada do COVID-19.

Muitas empresas enfrentaram dificuldades financeiras durante a recessão do COVID-19 em parte (ou integralmente) porque usaram muito de seu caixa disponível para recompensar acionistas e recomprar participações para aumentar o preço de suas ações nos últimos anos. Conforme relatado pelo New York Times no final de abril de 2020, “as empresas do índice de ações S&P 500 gastaram 2 trilhões de dólares em recompras, 30% a mais do que haviam gastado nos três anos anteriores”[1] entre 2017 e 2019.  Estas mesmas empresas tinham uma reserva de caixa muito menor disponível durante a pandemia de COVID-19 e viram-se na situação de buscar apoio do governo.

Do lado positivo, consideremos o caso de uma família canadense envolvida no ramo de desenvolvimento imobiliário e hospitalidade durante a crise de crédito e a retração econômica de 2008. O financiamento bancário, do qual a maioria dos incorporadores imobiliários depende em larga medida para financiar projetos, simplesmente evaporou. A empresa canadense, no entanto, já estava esperando uma recessão e separou reservas de caixa por muitos anos, ao invés de distribuir dividendos maiores aos proprietários familiares. Em vez de precisar tomar emprestado, como muitos de seus concorrentes, a empresa tinha caixa suficiente para honrar suas obrigações e até mesmo para fazer novas aquisições a preços favoráveis durante os períodos mais baixos da crise econômica.

 

Algumas lições

Durante uma crise econômica, cada empreendimento familiar deve tomar essa decisão de forma exclusiva e frequentemente mais de uma vez, com base na multiplicidade de fatores em jogo em seu sistema e em sua evolução ao longo do tempo. Mas existem algumas ações que as empresas familiares podem tomar de modo proativo para estarem prontas para as decisões difíceis relativas aos dividendos.

Engajar-se em um diálogo significativo com os proprietários, o conselho e a gerência

Determinar a abordagem certa para um empreendimento familiar específico em tempos de crise demanda um diálogo minucioso e transparente entre os proprietários e o conselho de diretores. O conselho é o mediador entre a perspectiva dos proprietários e as necessidades do negócio.

O conselho deve compreender as necessidades dos proprietários, suas opções e as potenciais repercussões caso os dividendos sejam eliminados ou amplamente reduzidos. Os proprietários, por sua vez, precisam compreender as demandas da empresa por dinheiro e os efeitos operacionais decorrentes das diferentes decisões relativas aos pagamentos de dividendos.

O diálogo deve abordar algumas questões fundamentais, incluindo:

  1. O que a empresa precisa para perseverar, dado que sua sobrevivência é a base da riqueza e renda futura dos dividendos da família?
  2. Outras fontes de capital – além do dinheiro a ser usado para dividendos – são suficientes, neste momento, para a continuidade dos negócios?
  3. Existem outras fontes de dinheiro disponíveis para os proprietários familiares – empréstimos sobre outros ativos ou provenientes de outros membros da família, ou talvez a venda de alguns bens pessoais – que poderiam sustentá-los durante esse período?
  4. Quais são as consequências econômicas para os proprietários familiares se os dividendos e distribuições forem reduzidos, postergados ou eliminados?

Planeje com antecedência para a próxima crise

Esperar por uma crise (ou uma segunda ou terceira) não é necessário nem desejável e coloca tanto a empresa quanto os membros familiares em risco. É importante manter um planejamento de longo prazo baseado em alguns princípios-guias para cada lado da equação das “reivindicações concorrentes”.

Estes princípios podem incluir:

  • Incentivar entre os membros da família uma menor dependência em relação aos dividendos. Os estilos de vida individuais podem precisar ser ajustados para corresponder a um nível de dividendos compatíveis com o montante que a empresa pode pagar não apenas em tempos bons, mas também em tempos ruins.
  • No lado do empreendimento, o dinheiro ou seus equivalentes devem ser preservados para fornecer um nível mínimo de pagamentos de dividendos, para ajudar a empresa a enfrentar recessões, fazer aquisições quando os preços estão deprimidos ou comprar a participação de proprietários que necessitem de liquidez.

 

Adicione flexibilidade à sua política de dividendos

Os proprietários de empreendimentos familiares, que muitas vezes concebem suas políticas de dividendos como estáticas e deixam-nas inalteradas por anos, precisam considerar uma política de dividendos com a flexibilidade necessária para adaptar-se às mudanças nas necessidades dos negócios e da família. Para administrar as expectativas dos membros familiares e evitar surpreender os proprietários, o conselho pode sugerir aos proprietários que uma política de dividendos mais flexível pode ser necessária, o que significa uma possível redução ou suspensão dos dividendos durante tempos difíceis.

Conclusão

Portanto, a resposta curta para a pergunta sobre dividendos é: “esteja preparado para ser flexível”. Os proprietários de empreendimentos familiares precisam internalizar a inevitabilidade de retrações e disrupções e garantir que suas políticas e práticas possuam a flexibilidade necessária para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades. Durante uma crise econômica, estas decisões difíceis precisam ser tomadas de forma colaborativa, com o objetivo duplo de um empreendimento duradouro e do sucesso da família.

[1] Cf. Flitter, Emily and Eavis, Peter. “Some Companies Seeking Bailouts Had Piles of Cash, Then Spent It.” The New York Times, 24 de abril de 2020. Disponível em: <www.nytimes.com/2020/04/24/business/coronavirus-bailouts-buybacks-cash.html>. Acesso em 08 de junho de 2021.

 

Andrew Hier
Consultor Sênior e Sócio do Cambridge Advisors to Family Enterprise.

Andrew Hier é Consultor Sênior e Sócio da Cambridge Advisors to Family Enterprise, onde assessora famílias empresárias em todo o mundo, sobre questões referentes a relacionamentos com acionistas, estratégias de propriedade, questões de sucessão e gerações seguintes e governança de famílias, proprietários e empresas. É associado do Cambridge Institute for Family Enterprise, onde atua como professor e facilitador de programas de empresas familiares em todo o mundo. Ele atua ainda no Family Firm Institute, a principal associação de conselheiros para atendimento a famílias.