João Bosco Silva
Consultor sênior e sócio, Cambridge Family Enterprise Group Brasil

Recentemente, conversando com um conselheiro de empresas da região Sul do Brasil, ele mencionou sua dificuldade em convencer os empresários a investirem em governança. De acordo com ele, muitos a enxergam como burocrático e sem potencial para criar valor.

Esse não é um caso isolado. Militando neste mercado há algumas décadas, fico surpreso com a nossa falta de habilidade em conseguir explicitar os benefícios de uma boa governança empresarial.

O que é uma boa governança?

Governança deriva do grego e significa guiar. É um sistema de estruturas, processos e regras que direciona e controla uma organização. A governança é complementada pela gestão e pela liderança.

Não se restringe à organização de fóruns de decisão. Um bom sistema de governança reduz riscos e garante estabilidade na gestão e na geração de resultados. Conta com metas claras, indicadores bem definidos e líderes capazes de mover a organização em direção aos seus objetivos.

A boa governança garante que existam processos sucessórios estruturados para que haja continuidade dos planos de crescimento e permite um alinhamento quanto à estratégia futura, evitando desentendimentos entre os acionistas.

 

Exemplos de criação de valor

De uma forma geral, o mercado financeiro favorece empresas com governança bem estruturada, pois elas possuem menor risco e isto acaba se traduzindo em taxas menores de juros. Para tornar a questão mais palpável, trago aqui alguns exemplos recentes de criação de valor por meio da governança:

  • Uma empresa da área de distribuição de combustíveis ganhou um prêmio significativo quando foi vendida a uma empresa estrangeira. O motivo? A compradora há muito queria entrar no mercado brasileiro, mas não conseguia encontrar empresas com governança bem estruturada. Neste caso, o processo de due diligence foi bem rápido e o negócio, fechado em tempo recorde;

 

  • Um fabricante de máquinas agrícolas viu seus negócios deslancharem durante a pandemia, mas não pode suprir todo o mercado porque alguns de seus fornecedores não conseguiram atender ao aumento da demanda. Assustados com a crise, promoveram demissões (precipitadas) e depois não conseguiram retomar a produção no volume desejado. Fornecedores que tiveram um processo decisório mais estruturado envolvendo o Conselho na análise de alternativas registrando aumento dos pedidos no período da retomada. Na avaliação do comprador, as empresas com boa governança, em que o poder de decisão não estava restrito a um só executivo, se saíram melhor na crise;

 

  • Empresas de setores muito afetados pela crise, como o de cana-de-açúcar, venceram a crise mantendo seus objetivos graças a uma governança bem estruturada e um diálogo permanente com o conselho de administração e os acionistas;

 

  • Os acionistas de uma empresa do Sul do país com quem conversei relataram dois fatores essenciais para que que a companhia alcançasse melhores resultados durante a crise do que no ano anterior: a boa governança, que garantiu uma relação harmoniosa entre os sócios e também entre o Conselho e os demais executivos, e a execução da estratégia definida em parceria com o Conselho nos anos anteriores.

 

Prejuízos da falta de governança

Por outro lado, trago também exemplos emblemáticos de destruição de valor por falta de uma boa governança:

  • Desentendimentos entre acionistas são muito onerosos para as empresas. Em períodos de crise, a saída de um ou mais acionistas por desentendimentos gera uma “sangria no caixa”, o que pode ser irrecuperável e levar a empresa à falência;

 

  • Existem também inúmeros exemplos de empresas familiares vendidas por valores inferiores ao que valiam por não terem um planejamento adequado de sucessão. Quando são muito dependentes do fundador ou do atual líder, tendem a desaparecer na falta deste.

 

Elementos críticos de uma boa governança:

A estruturação de uma boa governança passa por etapas bem definidas, que vou descrever de forma simplificada:

 

  1. Conheça os anseios dos acionistas com relação ao futuro. Qual a nossa visão de futuro? Aonde queremos chegar? Como vamos chegar lá?

 

  1. Defina qual será a melhor estrutura de governança para alcançar a visão e anseio dos acionistas. Vamos montar um Conselho de Administração eficaz com membros independentes? Vamos ter um fórum para decisão dos sócios? Nosso acordo de acionistas está alinhado com nossa visão do futuro? Como vamos avaliar e gerir o patrimônio dos acionistas? Temos uma boa avaliação do que este patrimônio gera e do que a família dispende para viver? Como vamos preparar os futuros acionistas? Vamos criar um Conselho de Família para cuidar desta preparação e do legado e valores dos fundadores?

 

  1. O sistema de gestão vai garantir um alinhamento dos objetivos estratégicos da empresa com os objetivos individuais dos executivos e gestores e permitir que todos os seus esforços apontem para a mesma direção, ampliando as chances de que os objetivos sejam alcançados. Na sua empresa, você consegue identificar como as metas individuais e as metas do CEO estão ligadas?

 

  1. Implemente mecanismos de controle na organização. Que sistemas podem ser adotados para garantir que a empresa esteja dentro dos critérios das normas tributárias e ambientais, bem como a responsabilidade social da organização?

Esse conjunto de ações permite estruturar o sistema de governança independentemente do tamanho e complexidade da empresa. Ao longo dos últimos 30 anos, a Cambridge Family Enterprise Group tem trabalhado com famílias empresárias ao redor do mundo com o objetivo de criar valor para seus acionistas. E o sistema de governança é, sem dúvida, um dos componentes essenciais para garantir a longevidade dos negócios.

Não temos registro de alguém que tenha investido neste processo e depois se arrependido. Pelo contrário: todos os nossos clientes enxergam um tremendo valor nesta estruturação, especialmente nos momentos difíceis de crise econômica ou familiar.

Um modelo de governança se ajusta à realidade de cada empresa e é um processo evolutivo, merecendo avaliação contínua e proposta de evolução.

O melhor momento para investir na criação de um sistema de governança é justamente nos períodos em que não existem crises e há harmonia e bom entendimento entre os sócios.

Se sua empresa está vivenciando este cenário, mãos à obra! É hora de começar a estruturar a governança.