Renata Brecailo

Consultora Associada CFEG Brasil

Muito tem-se discutido sobre o futuro das empresas, mudanças na economia e papel dos acionistas
na perenidade dos negócios pós crise COVID-19. No entanto, há uma lacuna na discussão de como
o Conselho de família pode encontrar sua voz e sua contribuição nesse momento, e apoiar a família
empresária na condução de seus valores e visão para um futuro. Pego como licença a experiência da
Professora Aisha S. Ahmad, da cadeira de Ciências Políticas da Universidade de Toronto, para traçar
um paralelo entre os estágios da crise e a atuação dos Conselhos de Família. Aisha viveu em condições
de guerra, conflitos e desastres em vários lugares do mundo, tendo presenciado isolamentos sociais,
racionamentos e surtos de doenças. Ela identifica três grandes estágios que o ser humano passa ao se
deparar com essas situações:

Estágio 1: Fase do Desconforto. Nas primeiras semanas de uma crise, o que se busca é um ajuste nas
coisas simples, garantir alimentação, comunicação e apoio. É um momento de desconforto extremo, e
esse desconforto não deve ser negado, nem substituído com a ilusão de produtividade ou de normalidade.

Estágio 2: Fase da Modificação Mental: Há um início de adaptação do novo cenário, e uma sensação de
estabilidade. A produtividade começa a voltar. É o momento de trazer a criatividade à tona e abandonar
práticas e preceitos que não funcionam mais no novo cenário.

Estágio 3: Fase do Novo Normal. Quando já há uma rotina dentro da nova realidade, com aceitação de
novas práticas, incorporação de novas atividades e produtividade elevada.

E o que esses estágios podem nos ensinar a respeito da atuação da Governança Familiar?

Pode ocorrer da família empresária não saber como sair da Fase 1, onde predomina o desconforto, e
acabe postergando atividades e discussões que poderiam ser de grande valia na retomada pós-crise.
Ainda, o foco pode ser extremado nos negócios e no caixa no curto prazo, perdendo a oportunidade de
engajar os membros familiares e aproveitar seus potenciais. As famílias que ficam nesse estágio tendem
a sair enfraquecidas ou desunidas. Por isso é importante estimular o diálogo entre gerações e aproveitar
a grande oportunidade de ouvir diferentes perspectivas.

De uma maneira prática, listamos aqui ações que podem ser capitaneadas pelos Conselhos de Família
para fortalecer ainda mais os vínculos e preparar o empreendimento familiar para o futuro:

Nas primeiras semanas, ou fase de Desconforto, é essencial o cuidado com a saúde, especialmente dos mais vulneráveis. O isolamento não deve ser visto como um empecilho para a comunicação, que deve ser frequente, e nessa fase foca-se em geral em saber que todos estão bem e com os recursos necessários. Além do cuidado físico, é importante que os membros do Conselho de Família se preocupem com os cuidados psicológicos e financeiros, ouvindo, acolhendo e levantando recursos para atender aos que mais precisam. Crianças e adolescentes podem precisar de apoio profissional para passar melhor
pela transição, enquanto adultos e idosos podem necessitar aprimorar o uso de tecnologias para se manter conectados. De qualquer forma, é importante que o Conselho de Família se reúna, identifique ações rápidas e simples, e esteja aberto e disponível para ouvir as necessidades de todos.

No segundo estágio, ou estágio da Modificação Mental, é hora de iniciar uma integração mais intensa e marcante, focada nos valores da família. Momentos como o que estamos vivendo marcarão décadas e gerações, e precisamos gerar impacto no que será transmitido adiante. É hora de ser criativo, ouvir diferentes gerações e estabelecer alguns rituais que possam congregar a todos e lembrar da missão familiar. Não exaustiva, a lista de atividades pode incluir:

  • “Reuniões” virtual de aniversários da semana
  • Contação de histórias entre avós e netos
  • Oficinas de escrita sobre a rotina do isolamento
  • Pequenas celebrações virtuais, culturais ou religiosas (se fazem parte dos costumes da família)
  • Informativos flash sobre os negócios e as operações
  • Discussões de ideias sobre próximos encontros presenciais – o que faremos pós-Covid-19
  • Reflexão conjunta sobre como a história da família pode nos ensinar algo nesse período

O importante é que as atividades sejam inclusivas, engajadoras e com propósito.

O último estágio, ou estágio do Novo Normal, pode ser o mais desafiador, porém também o que traz a maior vantagem competitiva para a família. Como guardião do Desenvolvimento dos membros das novas gerações, o Conselho de Família deve usar o período de crise e isolamento para aumentar o diálogo entre gerações e auxiliar no preparo dos mais jovens. Sabemos que toda crise ensina, e essa oportunidade tem que ser aproveitada. Em seus cursos no MIT, o Prof. John Davis notou que um pedido constante das gerações mais jovens é o de participar mais das decisões, ser visto como indivíduos adultos e não como crianças. Somado a essa demanda, temos a alta criatividade, adaptabilidade e senso de propósito das novas gerações. Nessa fase, um diálogo entre gerações sobre soluções para o negócio, estratégia, novas formas de gestão ou se preparar para disrupções, será útil não só para o aprendizado dos mais jovens, mas principalmente como uma forma de incorporar novas visões e soluções ao empreendimento familiar pelos mais velhos. O momento pede ideias e inovação, e quem melhor que os jovens para trazer pensamentos fora da caixa? O Conselho de Família pode estruturar pequenos fóruns de discussão, leitura de materiais em conjunto, sessões “simuladas” de resolução de problemas típicos
de Sócios, projetos de pesquisa, entre outros.

Sabemos que essa crise passará, porém os aprendizados que ela nos deixa para o “Novo Normal” podem fortalecer imensamente as famílias que saibam aproveitar as oportunidades para aumentar a união e o engajamento de seus membros.