Dan Frosh: Cambridge Advisors to Family Enterprise
Courtney Collette: Cambridge Family Enterprise Group

Entre todas as ameaças potenciais ao sucesso de uma empresa familiar, uma das mais desestabilizadoras pode vir de dentro da própria família – quando um acionista individual ou um grupo de acionistas tenta vender sua participação acionária a uma parte externa. Embora esta seja uma ocorrência rara, quando ocorre pode trazer problemas para o sistema, tais como consequências financeiras acentuadas, constrangimento para a família e a empresa e danos às relações familiares. O simples fato de saber que isto pode acontecer é suficiente para desestabilizar um negócio familiar.

Acionistas familiares costumam procurar um comprador para suas ações fora da família por vários motivos. Suas motivações podem variar do nobre ao nefasto. Eles podem querer doar suas ações para uma organização sem fins lucrativos, por exemplo, para financiar uma instituição de caridade. Podem ter uma necessidade pessoal de liquidez. Podem ainda ter um plano patrimonial incompleto ou nenhum plano patrimonial. Podem querer atrapalhar a direção atual da empresa ou obstruir uma decisão futura da diretoria. Ou, por fim, podem querer sabotar a empresa ou a família, convidando um concorrente a comprar a empresa familiar, no todo ou em parte. Já vimos acontecer todas essas situações e várias outras.

Independentemente da motivação, os acionistas podem vender ou transferir, legalmente e com sucesso, suas ações a um proprietário externo à família, sem qualquer repercussão, na ausência de um contrato legal que restrinja esse processo. Esse acordo preventivo é conhecido como acordo de acionistas.

O acordo de acionistas é um contrato legalmente executável que todos os proprietários de empresas familiares – sim, todos eles – devem ter em mãos. É um instrumento que elimina várias preocupações, protege contra possíveis problemas futuros e pode ser personalizado para a situação particular de cada família. Pode ser considerado como uma boa apólice de seguro.

O acordo de acionistas é um pacto legal entre proprietários que inclui um conjunto de regras para:

  • Proteger o controle da família sobre o patrimônio da empresa, ao reger venda, transferência e sucessão de propriedade.
  • Evitar impasses ao determinar critérios e processos de decisão entre os proprietários.
  • Oferecer opções de liquidez, incluindo um método acordado para se avaliar ações em uma operação de venda.
  • Determinar um curso de ação em circunstâncias excepcionais, tais como morte, incapacidade ou mau comportamento de um dos proprietários.

Apesar dos grandes benefícios do acordo de acionistas, as famílias empresárias muitas vezes negligenciam esses instrumentos e colocam inadvertidamente suas empresas em risco por não tê-los em vigor. Os acionistas de empresas familiares que ainda não previram um acordo de acionistas poderão se beneficiar da visão geral fornecida por este artigo. Mas aqueles acionistas de empresas familiares que já possuem algum tipo de acordo de acionistas em vigor não devem negligenciar uma análise dessa necessidade.

Muito similar a qualquer outro contrato de negócios, uma única modalidade não irá servir para todos ou durar para sempre. Essas famílias deveriam revisar seu contrato atual periodicamente, para garantir que esteja atualizado e ainda seja adequado às suas metas em evolução. Especialmente quando as famílias se aproximam de uma transição geracional, a geração seguinte deve avaliar seu acordo de acionistas e considerar se os termos se adaptam à sua realidade, ao invés de herdar aqueles da geração anterior – que podem não refletir sua visão de mundo.

Acordo de compra e venda

Um dos aspectos mais importantes de um acordo de acionistas rege a sucessão de propriedade. Esta seção, denominada acordo de compra e venda, é o foco deste artigo.

Um acordo de compra e venda é um contrato firmado pelos proprietários de uma empresa familiar, para definir os direitos e obrigações dos acionistas quando da ocorrência de certos eventos “desencadeantes”. Esses eventos podem envolver quaisquer cenários de vida, que levariam os acionistas a desejar formas predeterminadas e legalmente aplicáveis para lidar com a situação. Podem ser eventos de relacionamento, tal como um casamento ou divórcio; eventos de vida imprevisíveis, tal como incapacidade ou má conduta de um proprietário; ou ainda eventos finais, tal como aposentadoria ou morte.

Por meio do acordo, os proprietários concordam em restringir seu direito de vender ou transferir livremente sua participação acionária, a fim de favorecer uma transição ordenada e previsível da propriedade da empresa.

Um acordo de compra e venda eficaz responde às seguintes perguntas:

  • Quem tem o direito de possuir uma participação no negócio da família?
  • Quais eventos irão desencadear a obrigação de comprar ou vender uma participação no negócio da família?
  • Qual será o processo de avaliação das ações?
  • Quais serão o preço de compra das ações e os termos da transação?
  • Como essa transação será financiada?

Cinco razões que justificam a existência de um acordo de compra e venda

Há razões convincentes para se ter um acordo de acionistas e sua contribuição para a sobrevivência de longo prazo da empresa não é uma das menos importantes. Uma das vantagens competitivas inerentes às empresas familiares é sua propriedade estável. Equipes de gestão e mercado favorecem a estabilidade de longo prazo de uma empresa, que pode ser obtida por meio de capital de longo prazo, ativos de longo prazo, capacidade de decisão dos proprietários e proprietários comprometidos e com longa administração. O acordo de acionistas ajuda a proteger o ativo mais significativo de uma família, permitindo que sua base de acionistas permaneça estável, decisiva e no controle dessa família.

Para aqueles acionistas de empresas familiares que ainda não incluíram um acordo de compra e venda em seu planejamento, aqui estão cinco razões para considerar tal inclusão em um futuro próximo:

  1. Garantir a continuidade da propriedade familiar
    Para os acionistas que desejam manter o controle de propriedade na família e passar a empresa à geração seguinte, esse contrato pode garantir que apenas os descendentes diretos possam herdar, comprar ou adquirir ações da empresa. Esse acordo pode prevalecer sobre a lei conjugal, acordos pré-nupciais ou leis de propriedade, garantindo que a família retenha o controle da empresa.
  2. Criar um mercado para a venda de ações
    A maioria das empresas familiares privadas carece de um mercado aberto para a compra e venda de ações, fazendo com que seus interesses de propriedade sejam altamente ilíquidos. Um acordo de compra e venda eficaz cria um mercado interno, permitindo que um acionista da família adquira ou desista da propriedade, e descreve condições e termos para que os proprietários se desfaçam de algumas ou todas as suas ações. Isto é feito sempre mantendo as trocas de propriedade e o controle dentro da família.
  3. Definir as condições que iriam “desencadear” a venda e compra de ações.  Acordos de compra e venda eficazes definem um conjunto abrangente de condições que, se presentes, irão desencadear uma compra, venda ou transferência obrigatória de propriedade entre as partes. Como a maioria das questões de planejamento patrimonial, tais eventos desencadeantes não são agradáveis de considerar (morte, invalidez, divórcio ou má conduta, por exemplo), mas as famílias devem avaliar as possíveis implicações desses eventos com antecedência, ao invés de fazer tal avaliação depois do ocorrido.
  1. Gerar um processo de avaliação das ações
    Uma das funções importantes de um acordo de compra e venda consiste em expor o processo pelo qual as ações serão avaliadas no momento da venda. Há diferentes métodos de avaliação que podem ser utilizados no acordo, incluindo:
  • Acordos de preço fixo, que definem o preço de compra futuro em uma quantia específica de dólares
  • Acordos tipo fórmula, que fornecem uma fórmula específica para determinar o preço de compra no momento da transação
  • Acordos de processo de avaliação, que fornecem um resumo do processo de avaliação que ocorrerá no futuro (por exemplo: quantos avaliadores envolver, como selecionar tais avaliadores (um ou mais) e o momento da avaliação). [1] Cada um desses métodos exibe vantagens e desvantagens, que devem ser exploradas antes de selecionar um deles.

    5Estabelecer um mecanismo de financiamento que facilite a transação
    Por fim, se no momento da transação o comprador sob obrigação (seja a empresa ou outros acionistas) for incapaz de pagar o preço de compra, o acordo de compra e venda terá falhado em seu objetivo principal de garantir uma transição ordenada da propriedade. Nesse caso, especificar a fonte de financiamento para a compra está entre os itens mais importantes, ainda que negligenciados, de um acordo de compra e venda. Há vários mecanismos de financiamento, que incluem apólices de seguro de vida, venda a prazo, liquidação de ativos corporativos acumulados ou empréstimo de recursos externos. Determinar qual opção ou combinação de opções atenderá melhor as necessidades de uma família irá depender de suas metas e situações financeiras específicas.

Situações em que acordos de compra e venda podem ajudar

Veja abaixo exemplos de situações comuns, enfrentadas por acionistas de empresas familiares, que podem resultar em problemas de propriedade e que um acordo de compra e venda eficaz pode minimizar. Embora essa lista não seja de forma alguma completa, ela demonstra a diversidade de questões que é possível abordar por tal instrumento, para proteger famílias e empresas.

Situações de planejamento patrimonial

  • Avaliação de ações para fins de imposto sobre imóveis e doações
    Após a morte de um proprietário, o processo de avaliação descrito em um acordo de compra e venda pode estabelecer o valor das ações do acionista falecido, para fins de doação e imposto de herança. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Receita Federal tende a examinar avaliações nas transações entre parentes com escrutínio muito maior. Ela recorre frequentemente às cláusulas de avaliação dentro de um contrato de compra e venda, para determinar se o valor prescrito das ações do falecido se aproxima do valor justo de mercado. [2] Consequentemente, as famílias e seus advogados devem envolver avaliadores qualificados na elaboração dos acordos de compra e venda, para evitar consequências fiscais potencialmente catastróficas.
  • Prover liquidez quando é preciso pagar impostos patrimoniais
    A empresa familiar representa, em geral, um ativo altamente ilíquido, que pode incluir a maioria do patrimônio líquido dos proprietários. Consequentemente, para muitos proprietários e herdeiros, pagar os impostos associados a doações e bens pode parecer uma perspectiva incapacitante. Para aqueles proprietários que não fizeram um planejamento tributário adequado, seus temores poderão se concretizar, forçando-os a liquidar o negócio para cobrir a exposição fiscal. A solução consiste em integrar a criação de um acordo de compra e venda ao processo de planejamento patrimonial dos proprietários. Com isso, as famílias e seus advogados irão coordenar essas técnicas eficazes, que ajudarão a minimizar a carga tributária futura, ao mesmo tempo em que estabelecerão um mecanismo de financiamento para ajudar a cobrir quaisquer impostos restantes devidos.

Situações pessoais

  • Divórcio
    Todos os acordos de compra e venda devem incluir uma disposição para permitir que outros acionistas (ou a própria empresa familiar) comprem ações de um proprietário que está passando por um divórcio. A ausência de tal disposição pode resultar em concessão de ações ao cônjuge não proprietário, através de uma lei de estabelecimento de propriedade, fazendo com que parte do controle sobre a empresa vá para as mãos de um ex-cônjuge potencialmente hostil. Isto é especialmente importante nos EUA, em casos de propriedade comunitária, onde a participação acionária em uma empresa será provavelmente classificada como pertencente em conjunto ao casal, dando uma parte igual de participação a cada um dos cônjuges. Um acordo de compra e venda eficaz pode prevalecer sobre o processo de divórcio e impedir que um ex-cônjuge receba direitos de voto sobre a empresa.
  • Falência/Proteção ao credor
    O que ocorrerá se um acionista estiver envolvido em um processo de falência? Seus credores ou o administrador da massa falida poderiam se tornar proprietários da empresa? Infelizmente, sem um acordo de compra e venda adequado, eles realmente poderiam. Para evitar que a empresa familiar seja envolvida em procedimentos de falência de um dos acionistas, é essencial incluir uma cláusula no acordo de compra e venda, exigindo que os acionistas notifiquem os demais antes de declarar falência. Os proprietários restantes ou as empresas terão assim a oportunidade de adquirir as ações do detentor falido, ao preço já acordado. A propriedade e o controle da empresa estarão protegidos dos credores e os fundos recebidos da compra devem satisfazer o interesse do administrador fiduciário na empresa.

Situações de governança

  • Minoria cativa/Proprietários não votantes.
    Devido à ausência de negociabilidade das ações de uma empresa privada, é possível que alguns acionistas, que não concordam com a direção da empresa, se sintam apreensivos quanto ao valor futuro de suas participações e presos a essa posse. Em empresas familiares de capital aberto, a solução é simples – se um acionista não concordar com a direção da empresa, ele poderá vender as ações e seguir em frente. No entanto, isto não é tão fácil em um negócio familiar privado, pois um mercado natural para venda das ações pode não existir. Em situações como essa, um acordo de compra e venda pode atuar como um instrumento de resolução de disputas, estabelecendo um processo pelo qual os acionistas terão de passar, a fim de tentar resolver suas diferenças. Um dos resultados, por exemplo, pode ser a compra do interesse de propriedade do acionista insatisfeito, de acordo com o processo descrito no contrato.

Situações de má conduta

  • Remoção de um proprietário prejudicial
    Ocasionalmente, o comportamento de um acionista pode ser bastante prejudicial para a empresa, a ponto de se tornar insustentável que permaneça vinculado à empresa familiar. Exemplos desse nível de improbidade podem incluir práticas comerciais fraudulentas, colaboração com um concorrente ou violação significativa dos valores importantes da família. Para tais cenários, um acordo de compra e venda eficaz pode ajudar a delinear os padrões de conduta esperados dos proprietários e ditar os termos de uma venda forçada pelo acionista prejudicial. Esse tipo de venda forçada costuma incorporar uma penalidade na avaliação da participação acionária, para evitar o enriquecimento sem causa pelo proprietário infrator.

Acordos de compra e venda e longevidade multigeracional

Muitas vezes, as famílias empresárias esperam que seus laços familiares e a herança compartilhada possam sustentá-las durante momentos difíceis como sócios-proprietários e, no melhor dos casos, isto irá realmente ocorrer. Possuir fortes relacionamentos familiares, um histórico compartilhado, valores e metas comuns e uma série de outros ingredientes efetivamente contribuem para um eficaz e forte grupo de propriedade familiar. Mas é provável que tanto os eventos previsíveis como inesperados da vida ocorram e possam criar implicações negativas entre os proprietários. As famílias não devem colocar em risco um dos seus ativos mais sagrados e significativos, deixando de estabelecer os acordos legais corretos para protegê-lo.

Um acordo de compra e venda bem elaborado pode contribuir bastante para garantir a longevidade multigeracional de uma empresa familiar e pode ajudar a proteger também a família. A implementação e a atualização periódica de um acordo de compra e venda é uma prática sensata para acionistas de empresas familiares e pode proporcionar tranquilidade para o futuro.

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Para analisar um acordo de compra e venda para sua empresa familiar no Brasil, entre em contato com Gustavo Gonzaga pelo endereço ggonzaga@CFEG.com

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Dan Frosh
Consultor do Instituto Cambridge Advisors to Family Enterprise
É advogado e consultor de famílias multigeracionais no instituto Cambridge Advisors to Family Enterprise. É ainda Consultor Certificado para Negócios Familiares pelo Family Firm Institute (FFI). É também membro atuante do conselho de diretores do FFI e editor-gerente do FFI Practitioner.

Courtney Collette
COO do Cambridge Institute for Family Enterprise
Sócia e consultora sênior do Cambridge Advisors to Family Enterprise
Courtney Collette lidera as atividades de educação, pesquisa e publicação do Cambridge Institute, sendo especializada na criação de currículos para o público de empresas familiares. Ela assessorou famílias empresárias em todo o mundo sobre governança, sucessão e desenvolvimento de talentos. Ela é coautora do livro Next Generation Success e de vários artigos sobre o sucesso de empresas familiares.

Sobre o Cambridge Institute for Family Enterprise

O Cambridge Institute for Family Enterprise é um instituto global de pesquisa e educação, dedicado a questões reais enfrentadas por empresas familiares. É um local em que membros progressistas de empresas familiares vêm para aprender, trocar ideias, cuidar de seu próprio desenvolvimento e posicionar suas empresas para serem não apenas bem-sucedidas, mas também sustentáveis ao longo de várias gerações. Sua organização associada, o instituto Cambridge Advisors to Family Enterprise, assessora famílias multigeracionais, em todo o mundo, sobre estratégias para manter seu sucesso ao longo das gerações.

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[1]  Mercer, Christopher. “Buy-sell agreements for Closely Held and Family Business Owners” – Peabody Publishing, 2010 – pág. 71-73.
[2] “Planning for the Transition of a Real Estate Business: A Primer on Buy-Sell Agreements”, por J. Robert Turnipseed e Shelby L. Wilson – Tax Management Real Estate Journal, V. 31, 8, pág. 233, 2015.

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